História
de Portugal
Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
A história de Portugal como nação europeia remonta
à Baixa Idade Média,
quando o condado
Portucalense se tornou autónomo do reino de Leão. Contudo a história da presença humana no
território correspondente a Portugalcomeçou muito
antes. A pré-história regista os primeiros hominídeos há cerca de 500 mil anos.
O território foi visitado por diversos povos: fenícios que fundaram feitorias, mais tarde substituídos por cartagineses. Povos celtasestabeleceram-se e misturaram-se com os nativos. No
século III a.C. era habitado por vários povos,
quando se deu ainvasão romana da península Ibérica. A romanização deixou
marcas duradouras na língua,
na lei e
na religião.
Com odeclínio do Império Romano, foi ocupado por povos germânicos e
depois por muçulmanos (mouros
e alguns árabes), enquanto que os cristãos se recolhiam a norte, nas Astúrias.
Em 1139, durante a reconquista cristã, foi fundado o Reino de Portugal a partir do condado
Portucalense, nascido entre os rios Minho e Douro. A estabilização
das suas fronteiras em 1297 tornou Portugal o país europeu com
as fronteiras mais antigas. Como pioneiro da exploração
marítima na Era dos
Descobrimentos, o reino de Portugal expandiu os seus territórios
entre os séculos XV e XVI, estabelecendo o primeiro império
global da história, com possessões em África, na América do Sul, na Ásia e na Oceania. Em 1580 uma crise de sucessão resultou
na União Ibérica com
Espanha. Sem autonomia para defender as suas posses ultramarinas face à ofensiva holandesa,
o reino perdeu muita da sua riqueza e status. Em 1640 foi restaurada a
independência sob a nova dinastia de
Bragança. Oterramoto de 1755 em
Lisboa, as invasões espanhola e francesas, resultaram na instabilidade
política e económica.
Em 1820 uma revolta fez
aprovar a primeira
constituição portuguesa, iniciando a monarquia constitucional que enfrentou a perda da maior
colónia, o Brasil. No fim do século, a perda de
estatuto de Portugal na chamada partilha de África.
Uma revolução em 1910 depôs a monarquia, mas a primeira
república portuguesa não conseguiu liquidar os problemas de um
país imerso em conflito social, corrupção e confrontos com a Igreja. Um golpe de
estado em 1926deu lugar a uma ditadura.
A partir de 1961 esta travou uma guerra
colonial que se prolongou até 1974, quando umarevolta militar derrubou
o governo. No ano seguinte, Portugal declarou a independência de todas as suas
posses em África. Após um conturbado período
revolucionário, entrou no caminho da democracia pluralista. A constituição
de 1976 define Portugal como uma república semipresidencialista.
A partir de 1986 reforçou a modernização e a inserção no espaço europeu com a
adesão à Comunidade
Económica Europeia (CEE).
Historiografia
Os primeiros registos
históricos no território correspondente a Portugal são anteriores à
nacionalidade, como os de Paulo Orósio e Idácio de Chaves,
que escreveram sobre os últimos anos do domínio romano e chegada das tribos
germânicas. Na primeira metade do século X, no Al-Andalus, Muhammad
Al-Raziredigiu a primeira história geral da Península Ibérica,
divulgada nos reinos cristãos com o nome de Crónica do Mouro
Rasis. Os testemunhos prosseguem na idade média com Pedro Afonso,
conde de Barcelos e os cronistas Fernão Lopes, Gomes Eanes de
Zurara e Rui de Pina entre
outros, e multiplicam-se durante a expansão portuguesa através de autores como João de Barros, Fernão Lopes
de Castanheda, Gaspar Correia e Damião de Góis.
A compreensão de Portugal e da sua história é uma constante da historiografia portuguesa: as
condições que tornaram possível a autonomização de Portugal e, depois, lhe
permitiram construir e manter uma identidade na Península e no mundo são o cerne da
análise, acentuada a partir do século XIX, de historiadores e pensadores como Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Antero de Quental, Sampaio Bruno, Jaime Cortesão, António Sérgio e Joel Serrão, entre outros.
A leitura da história de
Portugal em termos de um ciclo de apogeu e queda, de potência mundial à
irrelevância geopolítica, é uma leitura marcadamenteoitocentista. Portugal tem, pela sua
posição geográfica e características geomorfológicas, uma posição excêntrica
relativamente à Europa. A posição atlântica, prolongada desde o século XV pelos dois arquipélagos dos Açores e o da Madeira, foi a chave da sua história e da
sua identidade nacional: encravado entre um poderoso vizinho e o mar, os
Portugueses souberam tirar partido da sua situação estratégica, quer
construindo no mar um poderio militar, quer aliando-se à potência naval
dominante (aliança inglesa), assegurando a sobrevivência face às pretensões
hegemónicas das potências europeias. Escreve Veríssimo Serrão(História
de Portugal, vol. 1): «em face de uma Espanha superior em dimensão cinco
vezes, não houve milagre no caso português, mas somente a adequada integração
dos seus naturais num quadro político que lhe assegurou a existência autónoma
que qualquer periferia marítima amplamente favorece.»
Pré-história
Mapa Étnico-Linguístico da Península Ibérica cerca de 200 AC.
Os mais antigos fósseis conhecidos de hominídeos na Europa, datados de 1,1
a 1,2 milhões de anos a.C., foram encontrados no norte da península ibérica, na serra de Atapuerca. Em
Portugal, os vestígios humanos mais antigos datam de há cerca de 500-300 mil
anos, quando a região era habitada por neandertais. Os
vestígios mais antigos conhecidos de Homo sapiens são de homens de Cro-Magnon com "traços" de
neandertal, com 24.500 anos. O fóssil de uma criançaencontrado no Vale do Lapedo é interpretado como
indicador de populações híbridas resultantes
do cruzamento das duasespécies. São também
os vestígios de seres com características neandertais mais recentes que se
conhecem, possivelmente os últimos da sua espécie. Estas eram sociedades paleolíticas de subsistência, de caçadores-coletores que deixaram
vestígios como a arte rupestre do Vale do Coa a norte 8 e a gruta do Escoural, a sul.
Após o fim da última idade do gelo, há cerca de 12 a 11 mil
anos, as alterações climáticas permitiram iniciar a domesticação de animais de
pastoreio, algumas culturas de cereais e a pesca. O neolítico é testemunhado no sul de
Portugal por utensílios de pedra e pela cultura
megalítica, com dólmens como a anta Grande
do Zambujeiro, menires como nocromeleque
dos Almendres, bem como arte esquemática como na anta pintada de
Antelas e em ídolos-placa.
A idade do bronze da península, com o
desenvolvimento da olaria e outros metais como ouro e prata, iniciou-se cerca
de 4000 a.C a sul, em locais como El Argar, de onde se espalhou.10 No terceiro milénio aC,
várias ondas de povos indo-europeus celtas vindos da Europa Central invadiram o território.
Misturando-se com as populações locais, formaram diferentes grupos étnicos, com
numerosas tribos. As principais dessas tribos
foram os galaicos, que estabeleceram a cultura castreja a norte, os lusitanos no centro, os célticos no Alentejo, e os cinetes ou cónios no extremo sul de
Portugal (regiões do Algarve e Alentejo). Aí se desenvolveu a escrita do sudoeste,
uma das escritas
paleo-hispânicas. A sul, na mesma altura, estabeleceram-se também
alguns postos comerciais costeiros semi-permanentes de fenícios e, mais tarde, de cartagineses.
Proto-história (século III
a.C.–1147)
Romanização
As províncias romanas Lusitânia eGalécia, reorganização da Hispânia deDiocleciano, 298 d.C..
Os Romanos iniciaram a invasão da Península Ibérica (a que chamavan "Hispânia") em 218 a.C, durante a Segunda Guerra
Púnica contra Cartago. Aí anexaram inicialmente duas
regiões como províncias,
a Hispânia Citerior (nordeste)
e a Hispânia Ulterior (sudoeste) A
mineração foi o primeiro factor de interesse na região: um dos objectivos
estratégicos de Roma era cortar a ligação de Cartago com as minas hispânicas de
cobre, estanho, ouro e prata.
No fim do século I a.C. foi criada a província
da Lusitânia, que correspondia a grande parte
do actual Portugal a sul do rio Douro e à estremadura
espanhola, com capital em Emerita Augusta (Mérida). Os
romanos exploraram com intensidade minas como Aljustrel (Vipasca) e São Domingos,
na Faixa Piritosa
Ibérica que se estende até Sevilha. Enquanto o sul foi
ocupado com relativa facilidade, a anexação do norte só se deu muito depois, em
parte devido à resistência dos povos nativos. Povos célticos,
como os lusitanos liderados por Viriato nos Montes Hermínios (Serra
da Estrela), conseguiram conter a expansão romana durante anos. Perito
em tácticas de guerrilha, Viriato travou uma guerra incansável contra os
invasores, derrotando sucessivamente vários generais romanos, até ser morto à
traição em140 a.C.. A conquista total da península
ibérica ocorreu dois séculos após a chegada, quando os romanos venceram asguerras cantábricas,
no tempo do imperador Augusto (19 a.C.). Em 74 D.C. Vespasiano concedeu o "direito latino" (equiparação aos
municípios da Itália) a grande parte dos municípios da Lusitânia. Em 212 d.C. a Constituição
Antonina atribuiu a cidadania romana a todos os súbditos
(livres) do império e, no fim do século, o imperador Diocleciano fundou a Galécia, que integrava o norte do actual
Portugal, a Galiza e as Astúrias, últimos territórios conquistados.
Ponte de Trajano sobre
o rio Tâmega, Chaves (Portugal).
A economia da
Hispânia teve uma enorme expansão. Além da mineração, os
romanos desenvolveram a agricultura naquelas que eram algumas das melhores
terras agrícolas do império. No actual Alentejo cultivaram vinha e cereais, e
no litoral desenvolveram a indústria pesqueira para fabricação de garum- no litoral algarvio, em Lisboa, na Póvoa de Varzim, em Matosinhos e em Tróia -
que exportavam pelas rotas comerciais romanas para todo o império. As
transações comerciais eram facilitadas pela cunhagem de moeda e
pela construção de uma extensa rede viária, aquedutos e pontes, como a de Trajano em Aquae Flaviae (actual Chaves). Os romanos fundaram numerosas
cidades- como Olisipo (Lisboa),Bracara Augusta (Braga), Aeminium (Coimbra), Pax Julia (Beja) - e deixaram um
importante legado cultural naquilo que é hoje Portugal: o latim Vulgar tornou-se o idioma
dominante da região, base da
língua portuguesa, e a partir do século III o cristianismo difundiu-se
em toda a Hispânia.
Invasões bárbaras
Península Ibérica c.560 d.C.: Território suevo com capital em Braga(azul); território visigodo com capital em Toledo (ocre)
Em 409, com o declínio do Império
Romano, a península Ibérica foi ocupada por povos de origem germânica, a que os romanos
chamavam bárbaros. Em 411, num contrato de federação com o imperador Honório,
vários destes povos instalaram-se na Hispânia: suevos e vândalos asdingos na Galécia, alanos, de origem persa, na Lusitânia e Cartaginense. Destes povos, suevos e
visigodos foram os que tiveram uma presença mais duradoura no território correspondente
a Portugal. Como em toda a Europa ocidental as cidades sofreram
uma acentuada decadência, e tanto na vida urbana como na economia verificou-se
uma ruralização.
Os suevos fundaram o reino suevo com capital em Braga, chegando a dominar até Aeminium (Coimbra). Com as
invasões desapareceram as instituições romanas, mas manteve-se de pé a
organização eclesiástica, que os suevos adoptaram ainda no século V, seguidos
pelos visigodos, e que foi um importante instrumento de estabilidade. Apesar de
inicialmente adeptos do arianismo e do priscilianismo, adoptaram o catolicismo das populações locais
hispano-romanas no ano 449, evangelizados por influência de S. Martinho de Braga. A governação
sueva baseou-se nas paróquias, descritas
no Parochiale suevorum de
c.569. e o reino suevo tornou-se o primeiro reino cristão da Europa,
sendo também o primeiro a cunhar moeda própria.
Em 415 os visigodos, inicialmente instalados na Gália,
avançaram para sul como aliados do Império Romano para expulsar alanos e
vândalos, e fundaram umreino com
capital em Toledo. A partir de 470 cresceram os conflitos entre o reino suevo e o
vizinho reino visigodo. Em 585 o rei visigodo Leovigildo conquistou Braga e anexou
a Galécia. A partir daqui toda a
Península Ibérica ficou unificada sob o reino visigodo (excepto algumas zonas
do litoral sul e levantino, controladas pelo Império Bizantino e
a norte pelos vascões). A estabilidade interna do reino foi sempre difícil,
pois os visigodos eram uma minoria e professavam o arianismo, enquanto a
população local era católica. A sua
estratégia inicial foi manter-se como minoria dirigente estritamente separada
da maioria autóctone. No entanto a consolidação dos seus reinos deu-se
precisamente devido à integração com a população local, adoptando a língua latina, adaptando a lei
romana e convertendo-se com Recaredo I ao catolicismo Mas em 710 uma crise
dinástica entre partidários dos reis Rodrigo e Ágila II levou à invasão muçulmana que resultou no colapso do reino.
Ocupação árabe
Antiga mesquita de Mértola, no sul de Portugal, hoje Igreja de Santa Maria da Assunção.
Em 711, um exército omíada de berberes e árabes recém convertidos ao islão liderados por Tariq ibn Ziyad (aportuguesado para Tárique), desembarcou em Gibraltar após
conquistar o norte de África. Aproveitando-se das lutas internas que
dividiam os visigodos ou chamados como aliados da facção de Ágila II, venceram a batalha de
Guadaletecontra as forças do rei visigodo Rodrigo. Rapidamente avançaram até Saragoça, beneficiando do povoamento
disperso para conquistar quase toda a península. Ao território ocupado como
província do Califado Omíada chamavam Al Andaluz. Ao oeste da península,
correspondente a Portugal, chamavam o Gharb al-Andalus ou simplesmente
Al-Garb (o ocidente).
As populações locais puderam permanecer
nas suas terras mediante pagamento. Os seus hábitos, cristãos e judeus foram
tolerados. . Apesar de arabizados, os moçárabes mantiveram um contínuo de dialetos românicos -a língua moçárabe-
erituais cristãos.
Os novos ocupantes desenvolveram a agricultura, melhorando os sistemas de rega
romanos, introduzindo a cultura de arroz e de citrinos, alperces e pêssegos. .
Em 756 Abderramão I, resistindo ao domínio abássida, fundou no al-Andaluz um emirado independente que se tornou o
florescente califado de Córdova. A
sua economia assentava no comércio, na agricultura e na indústria artesanal
muito desenvolvidos. A cunhagem de moeda foi fundamental e uma das mais
importantes à época. A capital, Córdova,
foi durante o século X uma das maiores cidades do mundo e um centro financeiro,
cultural, artístico e comercial com bibliotecas, universidade, uma escola de
medicina e de tradutores de grego e hebraico para o árabe.
Em 1009 um golpe de estado
iniciou um período de guerra civil
no Al-Andalus, a fitna, que conduziu à fragmentação do
califado em reinos rivais, as taifas. . O
território a sul do Douro foi dividido entre as taifas de Badajoz, de Sevilha e de Silves. Livres de um poder central,
cidades como Alcácer do sal e Lisboa e Silvesdesenvolveram-se com base no
comércio. A partir de 1090 os almorávidas, que predicavam o cumprimento
ortodoxo do Islão, foram chamados por Al-Mu'tamid, o rei poeta da taifa de
Sevilha, para auxiliar na defesa face ao avanço de Afonso VI de
Leão e Castela e reunificaram o al Andaluz por algum tempo até
que este se desintegrou de novo, originando novas taifas. Entre 1144-1151
existiram três taifas no que é hoje Portugal: a Taifa de Mértola,
a Taifa de Silves e
a Taifa de Tavira, depois integradas no Califado Almóada vindos
de Marrocos, descontentes com o insucesso em revigorar os estados muçulmanos e
suster a reconquista cristã. A ocupação árabe da península durou mais de cinco
séculos durante os quais, partindo das Astúrias, a única região que resistiu à
invasão árabe, se desenvolveu um movimento de reconquista da Península.
Formação do Reino de Portugal
Evolução das fronteiras dos territórios na Península Ibérica entre
790 e 1300.
Desde 718, refugiando-se da
súbita invasão muçulmana da Península Ibérica, um grupo de cristãos
visigodos resistiu acantonado a norte, na região montanhosa das Astúrias. Aí, liderados por Pelágio,
fundaram o Reino das Astúrias e
iniciaram a reconquista de
territórios. Este processo gradual originou o nascimento de pequenos reinos, que iam
sendo alargados à medida que as conquistas eram bem sucedidas. Assim nasceram o Reino de Leão, de Navarra, de Aragão, deCastela e da Galiza.
Em 1096 o rei Afonso VI de
Leão e Castela entregou o governo do Condado
Portucalense, formado em 868 entre os riosMinho e Douro,39 a Henrique de Borgonha pelo casamento com a sua filha Teresa de Leão. Depois da morte de
D.Henrique, D.Teresa tentou alargar os seus domínios e obter a autonomia aliada
à alta nobreza galega contra
a sua meia-irmã Urraca de
Leão e Castela. Mas em 1121 teve de recuar e negociar um tratado,
mantendo-se o condado um
vassalo do reino de Leão.
Teresa exercera a regência durante
a menoridade do seu filho, Afonso Henriques. Mas em 1122 os
interesses de ambos chocaram, quando este se opôs a uma união galego-portuguesa. A posição de
favoritismo de D.Teresa em relação aos nobres galegos e a indiferença para com
os fidalgos e eclesiásticos portucalenses originou a revolta que este liderou.
D. Afonso Henriques armou-se
cavaleiro e passou a viver em Coimbra. Em 1128 venceu a batalha de São
Mamede contra as forças de sua mãe e Fernão Peres de
Trava. Assumiu então o governo do condado e concentrou esforços em
negociações junto da Santa Sé para alcançar a autonomia. Simultaneamente
procurou alargar os seus domínios, conquistando território aos muçulmanos, enquanto lutava contra as
forças de seu primo Afonso VII de
Leão e Castela.
Em 1139, depois de uma importante vitória contra um contingente
mouro na batalha de Ourique,
D. Afonso Henriques foi aclamado rei de
Portugal, com o apoio das suas tropas. Nascia assim o Reino de Portugal, com capital em Coimbra e iniciava-se a primeira dinastia.
A independência
portuguesa foi reconhecida por Leão e Castela em 1143 pelo tratado de Zamora. Em 1147, com o apoio de cruzados norte europeus, Afonso
I de Portugal conquistou Lisboa.
Com a pacificação interna, prosseguiu as conquistas aos mouros, empurrando as fronteiras para sul, desde Leiria ao Alentejo.
Considera-se que foi em 1211,
reinado de D. Afonso II,
a primeira vez que foram reunidas cortes em Coimbra com representantes do clero
e nobreza. Foram publicadas importantes leis para proteger os bens da Coroa,
garantir as liberdades e proibir os abusos dos funcionários régios.
Em 1249 o Al-Gharb (Algarve) mourisco foi
incluído no reino cristão de Portugal, concluindo a reconquista portuguesa. Isso
aconteceu no reinado de D. Afonso III,
que acrescentou à sua intitulação "Rei de Portugal e do Algarve". Em
1254 foram realizadas cortes em Leiria, onde estavam pela primeira vez
representantes das vilas e cidades. Em 1297 D. Dinis selou
a paz com os reinos de Leão e de Castela e fixou os limites
fronteiriços pelo Tratado de
Alcanizes. Anos antes, em 1290, adoptara como língua oficial do reino de Portugal,
em vez do latim, a "língua vulgar" (galego-português),
a que chamou língua
portuguesa.
Consolidação e expansão
(1385–1580
A Batalha de
Aljubarrota que assegurou a independência face aCastela, a nova dinastia de Avis e aaliança
luso-britânica. Pintura do século XV de Jean d'Wavrin,British Library
Desde 1369, no início do seu
reinado, D. Fernando I travou
as guerras fernandinas contra
forças castelhanas, ao reclamar-se herdeiro do trono de Castela. Mais tarde, no
contexto da guerra dos cem anos que
dividia a Europa, apoiou a pretensão de João de Gant, duque de Lancaster,
ao mesmo trono. Contudo pouco antes de morrer viu a sua impopular
mulherLeonor Teles de
Menezes negociar o casamento da filha Beatriz de Portugal com Juan I de Castela,
planeando entregar-lhe o trono de Portugal.
Desde as guerras fernandinas a
nobreza portuguesa dividira-se em duas facções, pro-castelhanas e pro-inglesas.
Após a morte de D. Fernando I sem herdeiros masculinos, a regência de Leonor
Teles lançou o reino num período de guerra civil eanarquia, com uma parte significativa da
população revoltada face à possibilidade da perda de independência. Durante
acrise de
1383-1385, a rainha partilhava o governo com o nobre galego João Fernandes Andeiro. A facção pela
independência que se lhe opunha era liderada pelo meio-irmão de D. Fernando, D. João, Mestre de Avis. Em Dezembro de 1383 D.
João liderou uma revolta contra a rainha que matou o Andeiro. Após a morte do
conde, o povo de Lisboa aclamou-o Regedor e Defensor do Reino. De
imediato as forças de Juan I de Castela entraram em Portugal e cercaram Lisboa.
Em Abril de 1384 Nuno Álvares
Pereira, nomeado fronteiro do Alentejo, vence uma força castelhana
em número superior à sua na batalha dos
Atoleiros.
Em 1385 os castelhanos
avançaram para tomar o trono de Portugal. Convocaram-se então as cortes de
Coimbra de 1385. Aí, um grupo de nobres e mercadores que incluía
Nuno Álvares, opôs-se ao Partido Legitimista leal
a D. Leonor. Procurando garantir a independência do reino, nomearam então como
rei de Portugal D. João, Mestre de
Avis, filho ilegítimo de Pedro I.
Assim terminava a dinastia de
Borgonha e iniciava-se uma segunda dinastia portuguesa, a dinastia de Avis.
Com aliados ingleses, D. João I liderou
uma vitória determinante na batalha de
Aljubarrota, que aniquilou definitivamente o exército castelhano e
assegurou a independência do reino. Os exércitos portugueses foram comandados
por Nuno Álvares Pereira, nomeado Condestável do
Reino. Meses depois, o condestável invadiu Castela e infligiu nova
derrota na batalha de Valverde.
O casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre,
princesa inglesa filha de
João de Gant, e a assinatura do Tratado de
Windsor (1386) selaram a aliança
luso-britânica.
Descobrimentos e formação
do império português
Descobrimentos portugueses de 1415-1543, principais rotas no Oceano Índico (azul), territórios
portugueses no reinado de D. João III (verde).
Em 1415 forças de D. João I conquistaram a
cidade de Ceuta, no norte de África, movidas pelo espírito de
continuação dareconquista e
pelo interesse comercial. Foi o início do expansionismo português.
À medida que os muçulmanos
retaliavam e desviavam as rotas comerciais, decidiu-se investir na exploração
por mar ao longo da costa africana. Para dirigir a exploração foi nomeado o Infante D. Henrique. A
partir de 1419, com o incentivo do infante, navegadores experientes e os mais
avançados desenvolvimentos náuticos e cartográficos da época, exploraram a
costa ocidental de África sistematicamente,
cada vez mais para sul. Em 1418/19 chegaram ao arquipélago
da Madeira e em 1427 aos Açores onde estabeleceram capitanias que prosperaram da
agricultura e de uma florescente indústria deaçúcar.
Gil Eanes transpôs o difícil Cabo Bojador em 1434. Após
aperfeiçoar a caravela em
meados do século, em 1479 passaram o Equador. Em 1471 no Golfo da Guiné foi estabelecida a feitoria de São Jorge da Mina para
apoiar um florescente comércio de ouro de aluvião. Partindo da Mina Diogo Cão fez o primeiro contacto com
o Reino do Congo. Intensificam
então a busca de um caminho
marítimo para as "Índias", alternativo aoMediterrâneo -
dominado pelas repúblicas
marítimas italianas, pelos otomanos, pelos mouros e por piratas- no lucrativo comércio de especiarias. Após sucessivas viagens exploratórias, em 1488 Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa
Esperança, entrando pela primeira vez no Oceano Índico a partir do Atlântico.
A chegada de Cristóvão Colombo à América em 1492 precipitou uma negociação entre D. João II e
os Reis Católicos de Castela e Aragão. Como resultado foi assinado em 1494 o Tratado de
Tordesilhas, dividindo o mundo em duas áreas de exploração
demarcadas por um meridiano situado
entre as ilhas de Cabo Verde(a 370 léguas a oeste deste arquipélago) e
as recém descobertas Caraíbas: cabiam a
Portugal as terras "descobertas e por descobrir" situadas a leste deste meridiano, e à Espanha as terras a oeste dessa linha. Em 1498, Vasco da Gama chegou
à Índia, estabelecendo o primeiro contacto
direto da Europa com a Ásia e inaugurando a importante rota do cabo. Em 1500, na segunda viagem para a Índia, Pedro Álvares
Cabral desviou-se da costa Africana e aportou no Brasil. Em Lisboa foi então
estabelecida a Casa da Índia para
administrar todos os aspetos do comércio e da navegação além-mar e foi nomeado
o primeiro vice-rei da Índia sediado em Cochim.
A vitória na Batalha de Diu afastou mamelucos e árabes, facilitando o
domínio português do Índico. Em 1510 sob o governo de Afonso de
Albuquerque foi constituído o Estado
Português da Índia com capital em Goa, primeira conquista territorial. Albuquerque conquistou Malaca em 1511, alcançando as ambicionadas "ilhas
das especiarias" (ilhas Molucas)
em 1512, e aportando na China um ano depois. Enquanto isso outros navegadores
exploravam o Oceano Pacífico ao
serviço do Império Espanhol,
como Fernão de Magalhães.
Na sequência da sua viagem de circum-navegação,
quando as explorações portuguesas e espanholas convergem nas ilhas Molucas foi firmado em 1529 o Tratado de
Saragoça que demarcou as explorações no oriente: as Molucas
foram atribuídas a Portugal e asFilipinas a
Espanha.
Rotas comerciais portuguesas deLisboa a Nagasaki entre 1580-1640 (azul);
rotas rivais espanholas (branco) com o chamado galeão de Manilaestabelecido
em 1565
De 1415 até 1534, quando se
iniciou colonização do interior nas capitanias do
Brasil por D. João III,
o império português foi
uma talassocracia, abrangendo
os oceanos Atlântico e Índico. Uma cadeia de fortificações costeiras
protegia uma rede de feitorias, com o
comércio reforçado por licenças de navegação, os cartazes,
com o apoio de numerosas relações alianças diplomáticas com o Reino do Sião, Safávidas da Pérsia, Reino de Bisnaga, Etiópia, entre outras. Era completado pela
acção de missionários ao
abrigo do Padroado português,
um acordo da coroa portuguesa com a Santa Sé.
Em 1542 ou 43 comerciantes
portugueses aportam no Japão, onde mais tarde ajudam a fundar Nagasaki. Em 1557 as autoridades chinesas
autorizaram os portugueses a estabelecerem-se em Macau, que se tornou a base de um prósperocomércio triangular entre
a China, o Japão e a Europa, via Malaca e Goa. Em 1571 uma cadeia de entrepostos ligavaLisboa a Nagasaki: nascera o primeiro império global da história, trazendo
enormes riquezas para Portugal. Em 1572 Luís Vaz de Camões publicou
"Os Lusíadas",
três anos após regressar do Oriente, cuja acção central é a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da
Gama.
União Ibérica
Império português (verde) com as zonas disputadas
entre 1588-1654 pelos holandeses das companhias da República das Sete Províncias Unidas (laranja)
Em 1580, após a morte do rei D. Sebastião na Batalha de
Alcácer-Quibir sem descendentes, Portugal enfrentou uma grave crise
dinástica. . Três netos de D. Manuel I de
Portugal reclamavam o trono: Catarina, duquesa de Bragança, António, Prior do
Crato e Filipe II de
Espanha. . Em Julho D. António foi aclamado rei pelo povo de
Santarém, mas um mês depois Filipe II, apoiado pelo Conselho de Governadores e parte da aristocracia
portuguesa, entrou no país e derrotou-o na batalha de
Alcântara.
Em 1581, Filipe II convocou as Cortes de Tomar. Aí, após se comprometer a
manter a língua, leis e cargos na mão de portugueses foi coroado rei de Portugal sob a forma de
monarquia dual - dois reinos, um rei - iniciando a união ibérica sob
a a dinastia Filipina,
apesar da oposição dos partidários de D. António nos Açores. AGuerra da
Sucessão Portuguesa prolongou-se por dois anos até ao Desembarque
da Baía das Mós. A governação ibérica - dos dois reinos e seus
imensos impérios - era assegurada por Conselhos (Consejos) com sede em Madrid. Em Lisboa, um vice-rei nomeado
pelo rei chefiava o governo.
Durante a união o império português sofreu
grandes reveses, ao ser envolvido nos conflitos dos Habsburgos com a Inglaterra, a França e a Holanda. Entre 1595 e 1663 foi travada a Guerra
Luso-Holandesa com as Companhias Holandesas das Índias Ocidentais e Ocidentais, que tentavam tomar as redes de comércio
portuguesas de especiarias asiáticas, escravos da África ocidental e açúcar do
Brasil.68 . Os holandeses
apoderaram-se sucessivamente de Ternate e Amboina na Indonésia, da Capitania de Pernambuco no Brasil, de São Jorge da Mina, Arguim, Axim,
tomando o lugar dos portugueses no Japão em 1639 e cercando Macau. Ao passo que os ingleses tomaram Ormuz em 1622.
Restauração e invasões
Aclamação de D. João IV como rei de
Portugal, pintado por Veloso Salgado, Museu Militar de Lisboa
No reinado de Filipe III (IV de
Espanha) (1621-1640) vários problemas minaram o apoio português
à união: o aumento de impostos sobre comerciantes portugueses, a perda de
importância da nobreza nas cortes espanholas, os cargos de governação ocupados
pelos espanhóis e a pressão para partilhar o fardo financeiro e militar das
guerras de Espanha. Os portugueses estavam pouco inclinados a ajudar, uma vez
que a Espanha não conseguira evitar a ocupação holandesa das suas possessões
coloniais. Isto apesar do facto de tanto portugueses como holandeses estarem
nominalmente sob a sua coroa.
A situação culminou numa
revolução feita pela nobreza e alta burguesia em 1 de dezembro
de 1640. A revolução, embora previsível, foi despoletada quando o João, 8.º duque de
Bragança foi convocado para organizar tropas e lutar contra
revoltosos na Catalunha. A trama foi planeada pelos chamados "Quarenta Conjurados,
que aproveitaram o fato de as tropas castelhanas estarem ocupadas no outro lado
da península. O apoio do povo foi imediato, e logo o duque de Bragança foi
aclamado rei de Portugal em todo o país iniciando a dinastia de
Bragança como João IV de Portugal.
Na subsequente Guerra da
Restauração contra Filipe IV da
Espanha os portugueses venceram várias batalhas. Em 1641, para
proteger os territórios ultramarinos, foi celebrada uma trégua com
os holandeses. Sem efeito, pois estes ocuparam São Tomé, Luanda, Ceilão e Malaca. Entre 1645 e 1654, recifenses comandados por Salvador Correia de Sá recuperaram o Recife e conseguiram reconquistar Angola e
São Tomé. Em 1661 foi selada a segunda Paz de Haia.
Portugal aceitou as perdas na Ásia e os holandeses a soberania portuguesa do Nordeste
brasileiro, mediante o pagamento equivalente a 63 toneladas de ouro.70 Nesse ano, para obter uma
aliança com os ingleses, D.João IV negociou o casamento da sua filha Catarina de
Bragança com Carlos II de
Inglaterra, cedendo como dote Tânger e Bombaim.
A paz definitiva com os
holandeses foi conseguida após estes tomarem Cochim e a costa de Malabar. A paz com Espanha foi
conseguida finalmente em 1668, após a vitória portuguesa na Batalha de
Montes Claros, e uma vez falecido o renitente Filipe IV da Espanha.
Foi selada pelo Tratado de
Lisboa (1668) entre Afonso VI de
Portugal e Carlos II de
Espanha, pondo fim a quase 30 anos de guerra. Espanha reconheceu a
independência de Portugal e devolvem-se prisioneiros e conquistas, excepto a
cidade de Ceuta, que ficou na posse de Espanha.
Era pombalina e absolutismo
Marquês de Pombal e
a reconstrução de Lisboa após oTerramoto de 1755.
A primeira metade do século
XVIII foi marcada pelo florescimento da mineração no Brasil,
após serem aí descobertos ouro e pedras preciosas. O rei D. João V tornou-se
então um dos mais ricos monarcas da Europa. A 1 de novembro de 1755, no reinado
do seu sucessor D. José I,
ocorreu o grande terramoto de
Lisboa que destruiu quase toda a cidade e que foi um golpe no
coração do império. O primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal,
dirigiu uma rápida reconstrução. Na baixa de Lisboa aplicou os conceitos
urbanos e estéticos do Iluminismo e
iniciou um período de modernização e europeização, com reformas profundas na
administração, economia e educação, rumo a uma monarquia absoluta impondo
o despotismo
esclarecido à nobreza.
As Cortes nunca reuniram. Em 1757 os jesuítas, defensores do pacto de sujeição
do rei à República , que viriam a ser expulso do paço e, depois, expulsos de
Portugal com a aquiescência do Vaticano, com impacto em toda a
Europa. . Um ano depois, a tentativa de assassinato do rei foi aproveitada
pelo Marquês de Pombal para iniciar uma campanha de punição das famílias
reticentes no processo dos Távora.
Relativamente ao Brasil, o Marquês
considerava-o uma colónia estritamente dependente de Lisboa e ao serviço do
enriquecimento do Reino de Portugal; o povo brasileiro sentiu-se desprezado, o
que gerou a instabilidade local suficiente para que a colónia se revoltasse.
O rei morreu em 1779,
ascendendo ao trono D. Maria I de Portugal e
seu marido D.Pedro III,
que derrubaram o Marquês de Pombal e o forçaram a refugiar-se fora da capital.
O império decaiu e o declínio acentuou-se com as guerras
napoleónicas.
Invasões francesas
Embarque para o Brasil deD. João VI e
de toda a família real, em Belém, em 27 de novembro de 1807.Gravura de Francisco
Bartolozzi
Em 1807 Portugal recusou
participar no Bloqueio
Continental decretado por Napoleão Bonaparte,
respeitando a tradicionalaliança
Luso-Britânica. A França
Imperial exigia que todos os estados europeus aderissem, como
parte da estratégia para eliminar a Grã-Bretanha como principal potência da
época e garantir a hegemonia na Europa. Aqueles que se recusassem seriam
invadidos.
Em 1801, Napoleão assinara um
tratado com Espanha, pelo qual esta declararia guerra a Portugal caso o reino
mantivesse o apoio aos britânicos, o que desencadeou a Guerra das Laranjas,
uma campanha de dezoito dias em que o exército espanhol tomou uma dúzia de
populações fronteiriças no alto Alentejo. A
resistência foi mínima e a paz foi assinada pouco depois, devolvendo as
conquistas, excepto Olivença e
Vilareal, antigas disputas fronteiriças. Em Outubro de 1807 Napoleão selou o Tratado de
Fontainebleau com a Espanha, prevendo a conquista e partilha de
Portugal. Ao mesmo tempo planeava apoderar-se do Brasil e das colónias
espanholas.
A invasão de Portugal foi iniciada ainda nesse ano, pelas
tropas do general Junot,
reforçadas por três corpos do exército espanhol. Atravessando a Beira Baixa, tomaram Lisboa a 1 de
dezembro de 1807. Porém, os planos de Napoleão fracassaram: antes da chegada a
Lisboa, toda acorte portuguesa partira para o Brasil, num total de cerca de
15 mil pessoas, ao abrigo de uma convenção secreta com a Inglaterra. Deixaram
o território europeu de Portugal nas mãos de uma regência, com instruções para
não "resistir" aos invasores. Ficava vazio de conteúdo o decreto de
Napoleão banindo aCasa de Bragança do
trono de Portugal. A partir do Rio de Janeiro a corte prosseguiu a
política internacional portuguesa e D. João VI de Portugal mandou invadir a
Guiana Francesa e a Cisplatina (Uruguai),
como retaliação.
Com a rebelião popular
espanhola, as tropas espanholas abandonam Portugal, deixando margem para uma
revolta no Porto a 7 de Junho de 1808 e para a constituição da Junta
Provisional. Ao mesmo tempo em todo o território alastra um movimento de resistência popular que nem a feroz
repressão das forças francesas, em que se destacou o general Loison (o
famigerado «maneta»), conseguiu debelar. O desembarque de uma força britânica
comandada por Arthur Wellesley, Duque de Wellington perto da Figueira
da Foz a 1 de Agosto deitou por terra os planos de ocupação de Portugal.
Derrotado em Roliça e no Vimeiro,
Junot assina um armistício, a Convenção de Sintra,
que em Agosto de 1808 lhe permite abandonar Portugal em navios britânicos, com
as tropas e o saque.77 A guerra alastrava a toda a
Península, acabando por comprometer a política imperial da França.
A ajuda britânica foi crucial
para expulsar os invasores. Em duas invasões subsequentes, a de Soult (1809) e a de Massena (1810), a resistência luso-britânica, que
culminou nas batalha do Buçaco em
1810 e das Linhas de Torres
Vedras,81 quebrou as asas à política
imperial sobre a Península Ibérica.
Monarquia constitucional (1820–1910)
As Cortes
Constituintes de 1822 que aprovaram a primeira Constituição, porOscar Pereira da
Silva.
No início do século XIX Portugal vivia uma crise motivada pelas consequências destrutivas das invasões napoleónicas, pela ausência da família real no Brasil, pelo fim do pacto colonial e abertura do Brasil ao comércio mundial, que tinha provocado uma quebra de 75% do comércio externo e a ruína de muitos comerciantes. A condição sui generis de serem governados pela regência militar britânica de Beresford, enquanto D. João VI reinava desde 1816 como rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves no Rio de Janeiro, que se tornara a capital do reino desde 1808, desconcertava ainda mais os portugueses.
Ao mesmo tempo, a ideologia liberal implantava-se em
pequenos grupos da burguesia. No dia 24 de Agosto de 1820 eclodiu no Porto uma revolução cujo
objectivo imediato era convocar cortes que
dotassem Portugal de uma constituição. Esta revolução não encontrou
oposição. Tendo a cidade de Lisboa aderido ao movimento, formou-se uma Junta Provisória cujo objectivo era organizar as eleições
para eleger as cortes. Os deputados eleitos, oriundos de todo o território
controlado por Portugal (Brasil, Madeira,Açores, dependências da
África e Ásia) formaram as Cortes
Constituintes.
D. João VI foi intimado pelas
cortes constituintes a regressar a Portugal. Antes de voltar nomeou o seu filho D. Pedro como
regente do reino do Brasil, o que desagradou às Cortes que entendiam que a
soberania só poderia residir em Portugal continental. Após o retorno do rei, em
26 de abril de 1821, Lisboa recuperou o seu estatuto de capital e iniciou-se
uma intensa movimentação política no sentido de restringir os privilégios do
Brasil. As cortes ordenaram então que D. Pedro deixasse o Brasil para se
educar na Europa. Esta atitude gerou o
descontentamento dos 65 deputados brasileiros presentes, que retornaram ao
Brasil.85 No dia 7 de Setembro de 1822 o príncipe D. Pedro recebe nova mensagem de Lisboa,
que rasga diante dos companheiros, exclamando: "Independência ou
morte!". Este acto, conhecido como o grito de Ipiranga, inicia a independência do
Brasil.
Nesse ano as Cortes aprovaram
a Constituição
portuguesa de 1822, que o rei aceitou, iniciando a monarquia
constitucional. Inspirada na Constituição
francesa de 1791 e na Constituição
Espanhola de 1812, consagrava a divisão tripartida dos poderes (legislativo, executivo e judicial), limitava o papel do rei a uma
mera função simbólica, colocando o poder no governo e num parlamento unicameral
eleito por sufrágio directo.
Isso mostrava a forte influência iluminista.
Guerra civil portuguesa
(1828–1834)
Caricatura representandoD. Pedro IV e D. Miguel Idisputando a coroa
portuguesa, por Honoré Daumier, 1833.
A morte do rei D. João VI de Portugal em
1826 desencadeou uma disputa sobre a sucessão real entre constitucionalistas eabsolutistas.
O herdeiro imediato era D. Pedro, então Imperador do Brasil e
constitucionalista convicto. Seguia-se D. Miguel,
um tradicionalista que fora expulso do reino após tentar dois golpes
absolutistas - a Vilafrancada e a Abrilada. Chamado pela regência, D. Pedro
foi por três meses rei de
Portugal como Pedro IV.
Mas, pressionado pela recusa dos brasileiros à união dos dois reinos e pelosMiguelistas, abdicou pouco depois para a
sua filha Maria da Glória então
com sete anos.
Como parte do acordo de
sucessão, em abril de 1826 D. Pedro criou uma Carta
constitucional que revia a Constituição de
1822para conciliar absolutistas e liberais, permitindo que ambas as
facções obtivessem postos no governo. Retornou ao Brasil, deixando o trono a D.
Maria e a regência a seu irmão D. Miguel até que esta atingisse a idade
necessária para se casarem.
D.Miguel regressou a Portugal
para jurar a Carta
Constitucional portuguesa de 1826 e exercer a regência. Mas um
mês depois convocou cortes tradicionais,
com nobreza, clero e homens livres. Aí foi coroado como Miguel I de
Portugal, anulando a Constituição e depondo a monarquia constitucional de D. Maria. Seguiram-se seis
anos guerra civil com
intervenções militares estrangeiras. Tomando o partido dos liberais, D. Pedro IV abdicou do trono
brasileiro para o seu filho Pedro II do Brasil e
selou uma aliança
internacional para derrotar seu irmão em Portugal. As derrotas
sucessivas de D. Miguel forçaram-no
a desistir da luta na Convenção de
Évora-Monte, e permitir a restauração da monarquia constitucional e
do trono deD. Maria II.
Liberalismo
Ceptro da rainha D. Maria II com
a carta
constitucional de 1826
Após a derrota dos absolutistas, a política portuguesa do
século XIX foi marcada por ideias liberais. Entre 1834 e 1836 vigorou o
chamado devorismo, de influência maçónica. Sob a Carta Constitucional portuguesa de 1826 eram vendidos em
hasta pública os bens nacionais, facilitando o acesso aos chefes liberais.
Mas não alcançou a paz
desejada. Os liberais eram um grupo heterogéneo que se juntara para lutar
contra os absolutistas, mas tinham muitas discrepâncias entre si. Por esta
razão, dividiram-se desde o início em moderados e progressistas. O primeiro
ponto de discórdia foi a Constituição. Enquanto os moderados,
chamados cartistas, queriam impor a Carta
Constitucional, os progressistas, denominados setembristas, defendiam a soberania
popular, lutando activamente por uma constituição aprovada por um congresso
democraticamente eleito pelo povo.
A Revolução de
Setembro de 1836 levou à promulgação da Constituição
Portuguesa de 1838. Contudo, foi efémera a sua vigência. A rainha D.
Maria II, que era favorável aos cartistas, entregou o poder a António da Costa Cabral, Marquês de Tomar, nomeando-o ministro
da justiça. Costa Cabral procede a um golpe de Estado e restaura a Carta
Constitucional. De 1842 a 1846, governou o país como um ditador, causando
descontentamento entre a população. O cabralismo terminou com a Revolução da
Maria da Fonteseguindo-se novo período de guerra civil. A Guerra da Patuleia entre
Cartistas e Setembristas terminou com uma clara vitória cartista mas a rainha
teve que retirar Costa Cabral do governo e chamar o governo do Partido
Progressista.
Iniciou-se então uma fase de
estabilidade, a Regeneração,
inicialmente presidido pelo marechal Saldanha, em que se destacouFontes Pereira de
Melo. Com a morte de D. Maria II em 1853 passou a reinar em
Portugal a Casa de
Saxe-Coburgo-Gotha. O sucessor foi o seu filho D. Pedro V,
cujo reinado iniciou um longo período em que Portugal foi um modelo de monarquia
constitucional, em que os direitos individuais eram respeitados e
havia uma ampla liberdade de imprensa.
Inauguração, a 28 de Outubro de 1856, da primeira linha de caminho-de-ferro em Portugal, aguarela deAlfredo Roque
Gameiro
Os partidos liberais haviam
chegado a um consenso sobre as vantagens da promoção do desenvolvimento
material, incluindo das ferrovias, do comércio e da indústria,
deixando de lado as divergências constitucionais de 1830 e 1840. No entanto,
apesar da paz social, a industrialização e modernização da agricultura e da
literacia da população, foram mais lentos em Portugal do que em qualquer outro
país na Europa Ocidental.
Passou a vigorar o rotativismo, em que os dois principais
partidos políticos, o Partido Regenerador (conservador)
e Partido Histórico (progressista)
alternavam no poder. Na década de 1880 houve uma extensão do direito de voto a
todos os cabeças de família, aproximando-se muito do o sufrágio universal.
No entanto, a maioria da população, rural e analfabeta, vivia fora da política
permitindo aos chefes políticos controlar o sistema político.
Durante a chamada "partilha de África",
Portugal entrou em colisão com as principais potências europeias ao reclamar
vastas áreas com base no "direito histórico". Na sequência da Conferência de Berlim,
em 1890 houve uma crise colonial na África, seguida por uma série de campanhas militares para a ocupação efectiva do território que
Portugal reclamava como colónias. Estas
campanhas criaram um corpo de oficiais africanistas e anti-liberais que
viriam a ser muito importantes na história portuguesa. Enquanto isso, os
movimentos republicanos iam ganhando adeptos.
República (1910–1926)
Ilustração alusiva àProclamação da República Portuguesa a 5
de outubro de 1910.
A subjugação do país após o ultimato
britânico e a severa crise financeira ocorrida entre 1890-1891,
os gastos da família real ,
o poder da igreja,
a instabilidade política e social, o rotativismo de dois partidos no poder
(progressistas e regeneradores),
a ditadura de João Franco , a
aparente incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos — tudo contribuiu
para a erosão damonarquia portuguesa.
Os defensores da república, particularmente o Partido
Republicano Português, souberam tirar o melhor proveito ,
apoiados indirecta e directamente em organizações secretas como a maçonaria e a carbonária.
O republicanismo acentuou-se de tal forma que em 1908 o rei D. Carlos I e
o príncipe herdeiro D. Luís Filipe foram mortos a tiro na Praça do Comércio em
Lisboa por membros da carbonária. Manuel II culpou
do regicídio o
primeiro-ministro de seu pai, João Franco que governara como um ditador nos
últimos anos. João Franco foi demitido, mas o novo rei não conseguiu melhorar a
imagem da monarquia nem deter a pressão do movimento republicano.
Em Outubro de 1910 estalava uma revolta. A relutância do exército em combater os cerca de dois
mil soldados e marinheiros revoltosos provocaria a deposição de D. Manuel II e
a proclamação da República Portuguesa, partindo o rei para o
exílio na Grã-Bretanha. A República foi proclamada no dia 5 de outubro de 1910, da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa . Um governo provisório chefiado por Teófilo Braga dirigiu os destinos do
país até à aprovação da Constituição
de 1911 que deu início à Primeira
República. Entre outras mudanças, com a implantação da
república, foram substituídos os símbolos nacionais:
o hino nacional e a bandeira bem
como a moeda, com o escudo a
substituir o real.
I República
Embarque de tropas para Angola durante a Primeira Guerra Mundial.
Depois da revolução em Lisboa, a monarquia foi sucedida por uma república
parlamentarista, que durou de 1910 a 1926. Os republicanos eram uma
minoria urbana num país rural, e o direito de voto foi
restrito aos homens alfabetizados. Foi um período de grande
instabilidade política: nos dezasseis anos de duração teve nove presidentes e
45 governos.
O parlamento era o centro do
sistema político e elegia o presidente da república, que tinha pouco poder de arbitrar
entre as diferentes facções. O sistema partidário estava fragmentado e
sucediam-se governos sem maioria parlamentar suficiente. Uma facção do Partido
Republicano Português, os "democratas" de Afonso Costa, tornou-se o centro do
sistema político e controlava a administração e, por meio de caciquismo, as eleições. O resto das
facções republicanas e monárquicas recorreu à insurreição para tomar o poder.
Houve numerosas conspirações e golpes de estado. O regime era fraco e as
políticas secularistas e de
controle da Igreja Católica enfrentaram esta e a população rural.
Portugal participou na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e
a mobilização militar e o colapso do comércio marítimo causaram muitos
problemas sociais, tais comoinflação e escassez. O movimento
operário, em que primava a organização dos anarco-sindicalistas,
também não se sentia representado pela República e foi muito combativo, com
muitas greves contra a carestia em que usava
a violência política. O golpe de estado em 1917 de Sidónio Pais tentou criar uma república
presidencialista e integrar no regime monárquicos e católicos,
mas após o seu assassinato um ano depois e uma pequena guerra civil entre
janeiro-fevereiro de 1919 entre Monarquia e República, restaurou-se a Constituição
de 1911. O sistema sobreviveu ainda oito anos , mas enfrentou
inúmeros problemas sociais, golpes e insurreições, até que o golpe militar
de 1926 impôs uma ditadura.
Ditadura (1926–1974)
António de
Oliveira Salazar(terceiro a partir da esquerda), fundador do Estado
Novo visita obras da Ponte de Santa Clara em Coimbra.
O golpe militar
de 1926 pôs fim à Primeira República, iniciando uma ditadura
militar encabeçada pelo general Carmona. Em 1928 a situação financeira do
país tornou-se a principal preocupação do governo e Carmona nomeou ministro das
Finanças António de
Oliveira Salazar, um prestigiado professor de finanças da Universidade de
Coimbra. O regime, progressivamente mais autoritário, promulgou
em 1930 um Acto Colonial centralizador,
que restringiu a autonomia financeira e administrativa das colónias no que
chamou Império
Colonial Português.
Salazar foi ganhando peso no
governo e em 1932 tornou-se presidente do Conselho de Ministros com poderes
ditatoriais. Profundamente conservador e nacionalista, rejeitava o comunismo e o liberalismo: o seu modelo era o meio
rural, que considerava ideal. Em 1933 promulgou uma nova constituição inspirada
no corporativismo,
na doutrina
social da Igreja e no nacionalismo. Estava lançada a base do
novo regime político, o Estado Novo.
De cariz presidencialista e anti-parlamentarista, na prática o presidente da
República era uma figura apagada e o poder concentrou-se em Salazar. Um partido único (União Nacional), apoiante do regime,
dominava a Assembleia
Nacional e a economia era regulada por uma Câmara Corporativa composta
por elementos ligados às profissões
Os antigos partidos políticos
portugueses desaparecem, excepto o Partido
Comunista Português, cujos dirigentes foram duramente perseguidos
pela polícia política (PVDE e depois, PIDE). A censura,
restabelecida em 1926, foi consolidada e as greves proibidas. Em 1936 o regime criou a Mocidade Portuguesa,
para doutrinar a juventude. A qualificação do regime de Salazar como fascista não é unânime na
historiografia, utilizando-se frequentemente o termo regime autoritárioou fascismo clerical, mas é clara a
semelhança com a Itália de Mussolini e a
ditadura espanhola de Primo de Rivera e Franco, que apoiou na Guerra Civil
Espanhola (1936-1939).
Agricultores beirões (c.1950).
Em 1939 Portugal declarou
oficialmente a neutralidade na Segunda Guerra Mundial. Nesse ano assinou um pacto de não agressão com Espanha mas recusou aderir ao Pacto
Anti-Komintern. Simultaneamente, acordou a cooperação com a
Grã-Bretanha e em 1943 chegou a concedeu-lhe a Base Aérea das
Lajes nos Açores. Salazar entendia ter Portugal pouco a ver com
a política europeia, sendo a sua vocação ultramarina, procurando afastar-se do
conflito. Portugal exportava produtos para os países em conflito, como
açúcar, tabaco e volfrâmio, usado em
material bélico. No fim da guerra, o governo decretou luto oficial de três dias
pela morte de Hitler. Em 1949 Portugal ingressa na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) e em 1955 na Organização
das Nações Unidas.
De 1949 a 1958 opositores à
ditadura como Norton de Matos e Humberto Delgado defenderam a
democratização. Humberto Delgado liderou a principal tentativa de derrube da
ditadura por eleições, ao reunir toda a oposição democrática e grande apoio
popular. Apesar de ter perdido as eleições de 1958 num processo eleitoral fraudulento, abalou
o poder do Estado Novo e deu esperança à oposição.
Guerra do ultramar
Soldados portugueses nas matas do Rio Onzo em Angola.
A descolonização maciça
europeia do pós-II guerra mundial fez crescer a condenação ao colonialismo e a resistência à
dominação portuguesa. Após a proclamação da Independência da Índia face aos britânicos em 1947, Portugal recusou o pedido da Índia para rescindir da posse do Estado
Português da Índia. Esta atitude foi condenada pelo Tribunal
Internacional e pela Assembleia
das Nações Unidas.
Para deter as pressões
políticas internacionais, na esperança de preservar um Portugal
intercontinental, o Estado Novo formulou uma nova política
Ultramarina em 1951: revogou o Acto Colonial de 1930 e criou a
chamada "solução Portuguesa",
que passou a designar as colónias por províncias
ultramarinas, considerando que estas eram parte integrante e
inseparável de Portugal, como "Nação Multirracial e
Pluricontinental". Em 1954, após protestos pacíficos e a recusa do governo
português em negociar, a União Indiana anexou Dadrá e Nagar
Haveli.
No início da década de 1960, nas colónias portuguesas
africanas vários grupos formaram partidos de luta pela autodeterminação.
Em Angola surgem o MPLA e aUPA,
na Guiné o PAIGC e em Moçambique a FRELIMO, inspirados em líderes como Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e Amílcar Cabral. A guerra fria entre osEstados Unidos e a União Soviética alimentava,
ideológica e materialmente estes partidos. A 15 de Março de 1961, a UPA atacou fazendas no norte de Angola iniciando uma
série de confrontos. Em 19 de Dezembro desse ano, uma força
de 40 000 soldados indianos ocupou Goa, integrando o Estado
Português da Índiano seu território, após 451 anos de ocupação
portuguesa. A maioria das nações reconheceu a acção da Índia, no entanto, Salazar
recusou-se a reconhecer a soberania indiana, mantendo estes territórios
representados na Assembleia
Nacional.
Primeiro em Angola, depois na Guiné Portuguesa e Cabo Verde, e em 1964 em Moçambique, surgem operações de guerrilha em três frentes, iniciando
a chamadaGuerra do Ultramar.
Apesar do grande número de tropas portuguesas, que chegou a atingir 200 mil
homens , em parte recrutados nas colónias, a guerrilha não foi contida. A
guerra prolongou-se causando cerca de 63 mil mortos. Os custos com a defesa
aumentaram, chegando a 46% do total da despesa pública portuguesa em 1969, contribuindo
para o empobrecimento da economia. Procurando
fugir à pobreza e ao serviço militar, quase 10% da população portuguesaemigrou durante a década de 60, tendo
como destinos principais a França e a Alemanha Ocidental,
mas também os Estados Unidos, a Venezuela e a África do sul.
Em 1968, Salazar foi afastado
do poder por doença, sucedendo-lhe Marcelo Caetano. Entre 1968 e 1970 o novo governo
fez uma modernização económica e liberalização política moderadas, a chamada Primavera
Marcelista, que criou a expectativa de uma verdadeira
reforma do regime, o que não chegou a acontecer. O contexto internacional era
cada vez mais desfavorável ao regime, mas a intransigência do governo e de
muitos colonos bloqueava a descolonização: no início da década de setenta mantinha-se
vivo o ideário salazarista de travar a guerra «orgulhosamente sós» . A
insustentabilidade de uma guerra de três frentes, (excepto Timor Português, cuja distância tornou
inviável a intervenção), a forte pressão internacional, sobretudo da ONU e dos E.U.A. contra colonialismo, causaram o alargamento da oposição ao Estado
Novo.
Democracia (1974–presente)
Manifestação do 25 de Abril de
1983 na cidade do Porto.
Na década de 70 o
descontentamento da sociedade portuguesa face ao regime cresceu,
impulsionado pelas dificuldades económicas resultantes de 13 anos de guerra do ultramar e
pela crise do
petróleo de 1973. A recusa de Marcelo Caetanoem aceitar uma solução
política para a guerra revoltou as forças
armadas, que concluíram que o fim do conflito passava pelo derrube
da ditadura. Oficiais intermédios do exército, principalmente capitães com
o apoio dos seus superiores, organizaram-se em agosto de 1973 em Bissau num movimento clandestino. Nasceu o Movimento das
Forças Armadas (MFA) com o lema "Democratizar,
Descolonizar e Desenvolver".
Em Fevereiro de 1974 o general António de Spínola,
ex-governador da Guiné-Bissau, publicou o livro Portugal e o Futuro.
Pela primeira vez uma alta patente militar advogava publicamente a necessidade
de uma solução política para as revoltas separatistas nas colónias. No dia 14
de março os generais Spínola e Costa Gomes foram demitidos dos
cargos de Vice-Chefe e Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas.
No dia 25 de Abril de 1974 em Lisboa o MFA
conseguiu um bem sucedido golpe de estado que, por não ser
violento, se designou historiograficamente Revolução dos
Cravos. A população aderiu e o poder foi inicialmente assumido por uma Junta de
Salvação Nacional de militares, mais tarde substituída pelo Conselho da
Revolução (1975-1982). António de Spínola foi designado Presidente da
República, tendo entrado em funcionamento o primeiro de uma série de governos provisórios. A censura acabou,
os prisioneiros políticos foram libertados e as maiores instituições do Estado
Novo foram extintas. Foi iniciado o processo para conceder a independência colónias
ultramarinas.
Inicialmente deu-se uma
divisão entre militares conservadores em
torno de Spínola, e de inclinação socialista, incluindo destacados membros
do MFA em torno do primeiro-ministro Vasco Gonçalves. No dia 11 de Março de 1975 o país viveu a
ameaça de um golpe de estado encabeçado por Spínola. O golpe falhou e Spínola
foi forçado ao exílio no Brasil. No mesmo dia o II Governo Provisório tomou medidas socialistas
na economia, decretando a nacionalização da
banca e dos seguros. Seguiram-se as principais indústrias os meios de
comunicação, e a reforma agrária, com a expropriação e
ocupação de terras, em especial no Alentejo. Cerca de 900.000 hectares de
terras agrícolas foram ocupadas entre Abril 1974 e Dezembro de 1975.
Os primeiros dois anos
pós-Revolução foram de instabilidade e possibilidade de guerra civil. O período
desde a revolução até à promulgação de uma nova constituição, que ficou
conhecido como PREC
(Processo Revolucionário Em Curso), foi caracterizado por disputas
entre forças de esquerda e
de direita,
particularmente durante o chamado verão quente.
III República
População portuguesa entre 1961-2003, em milhares, (2005 Dados daFAO) com a emigração seguida dosretornados, entre 500,000 a 1 milhão
após a revolução dos cravos.
Passado um ano sobre a
revolução, no dia 25 de Abril de 1975, realizaram-se as primeiras eleições livres com sufrágio universal em
Portugal, com uma afluência histórica de 91% dos cidadãos recenseados, para
formar uma Assembleia Constituinte que elaborasse uma nova constituição.
Ainda em 1975 foi concedida a
todas as colónias
ultramarinas a independência. A retirada foi incondicional
e imediata, tornando estados independentes todos os territórios portugueses
africanos. Este processo provocou um êxodo em massa para Portugal,
principalmente de Angola e de Moçambique. Mais de um milhão de
refugiados sem meios fugiram das antigas colónias portuguesas, os "retornados".
Em Abril de 1976 foi
promulgada a nova
constituição. Nela se determinava a transição para o socialismo como destino do estado
português. Dias depois, nas eleições legislativas vence o Partido
Socialista Português (PS) e Mário Soares, seu líder, tornou-se
primeiro-ministro do I Governo Constitucional de Portugal. Nas primeiras eleições
democráticas para apresidência da República venceu Ramalho Eanes, que se impôs claramente à
frente de Otelo,
candidato da esquerda mais radical. Em Novembro do mesmo ano realizaram-se as
primeiras eleições
autárquicas. Passam a funcionar as instituições democráticas base
para criar um modelo de estado democrático Parlamentarista ao estilo da Europa
Ocidental. Eanes e Mário Soares aproximaram o país da Comunidade Europeia.
Portugal entra para oConselho da Europa,
iniciando o processo de abertura do país que levou à adesão à CEE.
Em 1979, pela primeira vez
após a revolução, ganhou as eleições parlamentares um grupo político do centro-direita, o governo de Francisco Sá
Carneiro eFrancisco
Pinto Balsemão). Este governo chegou a um acordo com a oposição socialista
para realizar uma revisão constitucional. A Constituição
que entrou em vigor em 1982 eliminou algumas instituições que
emergiram após a revolução, incluindo o Conselho da
Revolução, e criou um Tribunal
Constitucional ao estilo dos países democráticos.
Integração na União
Europeia[editar | editar código-fonte]
Vista do Parque das Nações,
criado para receber a EXPO'98 em
Lisboa, vendo-se o pavilhão Atlântico,
a torre e
a Ponte Vasco da Gama
Em 1985 Aníbal Cavaco Silva tornou-se
primeiro-ministro pelo Partido Social-Democrata, de cariz conservador. Dois anos
depois conquistou a maioria absoluta. Permaneceu no poder até 1995, promovendo
uma política económica neoliberal e privatizando as empresas
que haviam sido nacionalizadas depois da revolução. Em 1986, Portugal
aderiu à Comunidade
Económica Europeia (CEE). Nos anos seguintes, a economia
portuguesa progrediu como resultado fundos estruturais e de coesão da CEE/UE e
do acesso mais fácil das empresas portuguesas aos mercados estrangeiros. Em
1991 foi concluída aautoestrada
Lisboa-Porto, a primeira de 48 autoestradas entre numerosas obras públicas realizadas nos anos
seguintes. Em Março de 1995 Portugal começou a aplicar as regras do espaço Schengen, abrindo as fronteiras a outros membros.
De 1995 a 2001, o governo foi
liderado pelo socialista António Guterres.
Para celebrar 500 anos dos descobrimentos, Portugal organizou a Exposição
Mundial de 1998 em Lisboa. No ano seguinte aderiu à Zona Euro,131 adotando como moeda o euro. Nesse ano Portugal foi escolhido para organizar o Campeonato Europeu de Futebol de 2004, para o que iniciou a
construção de 10 estádios de futebol.132 Em 20 de Dezembro de 1999 a
soberania de Macau passou para aRepública Popular da China que como
último território ultramarino administrado de facto por
Portugal, marcou o fim do império português.
Em dezembro de 2001 António
Guterres abandonou o governo afirmando não ter condições para prosseguir. Nas eleições antecipadas, a direita voltou a obter a maioria, com
o PSD liderado por José Manuel
Durão Barroso coligado com o Partido
Popular. Num breve período destacou-se pela política de contenção dadespesa pública e pelo apoio à guerra do Iraque, quando em 2003 Barroso
foi anfitrião da Cimeira das Lajes, que culminou 4 dias depois com o seu
início. Em 2004 Barroso abandonou o cargo ao ser nomeado presidente da
Comissão Europeia e foi substituído por Pedro Santana Lopes.
Em novembro a Assembleia da
República foi dissolvida para eleger novo governo. O Partido
Socialista conseguiu então pela primeira vez uma maioria
absoluta e José Sócrates tornou-se
primeiro-ministro. Inicia então a modernização da administração pública
introduzindo o Cartão de cidadão e
um "plano tecnológico", com o objectivo estimular o fraco desempenho
da economia portuguesa,
que registava o menor PIB per capita da Europa Ocidental. Contudo, o plano teve
pouco efeito. Em 2007 Portugal presidiu à assinatura do Tratado de
Lisboa. que reformou o funcionamento na UE após a tentativa
falhada de aprovar uma Constituição
Europeia.
Em 2009-10 a dívida pública portuguesa
ultrapassou 100% do PIB. Em 2013 atingiu 130% do PIB.
Desde 1974 Portugal acumulou
crédito de risco, criação de dívida pública,
má gestão dos Fundos Estruturais e Fundos de Coesão europeus e políticas
contínuas de recrutamento de funcionários
públicos. Apesar disso destacou-se pela ineficiência de serviços públicos,
com a segunda justiça mais lenta da Europa Ocidental. Quando a crise financeira internacional se
sentiu, foi uma das primeiras economias a sucumbir.
A partir de 2008 é
qualificado, junto com a Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, pejorativamente
como um dosPIIGS, economias vulneráveis devido
ao crescente endividamento e alto défice público em
relação aoPIB. A Standard &
Poor's baixou a avaliação de crédito de Portugal para
"negativa", seguindo-se aMoody's. Em 2011, no início da crise da dívida pública da Zona Euro, Portugal estava à beira
da falência.
Em Abril, José Sócrates anunciou
que pedira ajuda financeira ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) e aoFundo Europeu de Estabilidade Financeira. Em 16 de Maio de
2011, os líderes da zona do euro aprovaram um empréstimo de 78.000 milhões de
euros a Portugal Como parte do acordo, o país concordou em reduzir o défice público de
9,8 por cento do PIB em 2010 até 3 por cento em 2013.
Após as eleições o novo governo liderado por Pedro Passos Coelho inicia
uma política de austeridade tutelado
por uma "troika" constituída por responsáveis
daComissão Europeia, Banco Central
Europeu e Fundo
Monetário Internacional.
Notáveis luso-brasileiros:
Pedro I do Brasil · Honório Hermeto Carneiro Leão · Bartolomeu de Gusmão · José Bonifácio de Andrada · Tomé de Sousa ·Carmen Miranda · Fernando Henrique Cardoso · Antônio Carlos Magalhães · Adélia Pedrosa Gugu Liberato · Roberto Leal Fernanda Abreu · Thiago Lacerda · Daniela Mercury · Maitê Proença |
|||||||||||||||
População total
|
|||||||||||||||
5 milhões de descendentes
diretos, podendo assim adquirir nacionalidade portuguesa 1
|
|||||||||||||||
Regiões com população significativa
|
|||||||||||||||
|
Imigração portuguesa no Brasil,
ou emigração portuguesa para o
Brasil, é o movimento populacionalde portugueses para
o Brasil.
Os portugueses constituíram
o segundo grupo que mais povoou o Brasil, atrás apenas dos negros africanos. Durante
mais de três séculos de colonização, somada à imigração pós-independência,
os portugueses deixaram profundas heranças para a cultura do
Brasil e também para a etnicidade do povo brasileiro.
Hoje, a maioria dos brasileiros têm alguma ancestralidade portuguesa.
Um luso-brasileiro é aquele que é brasileiro e
possui ascendência portuguesa ou
aquele que é português e possui ascendência brasileira. São também chamados de
luso-brasileiros as pessoas que têm dupla cidadania,
portuguesa e brasileira. Moram no Brasil aproximadamente 700 mil5 pessoas
apenas comnacionalidade portuguesa visto que a
dupla nacionalidade não é contabilizada. Esta população imigrou
para o Brasil, na sua maioria, entre 1930 e 1960. Hoje em dia, e cada
vez mais, se nota um aumento significativo de portugueses que compram propriedades no
Brasil, sobretudo no Nordeste brasileiro. Estes portugueses
dedicam-se sobretudo ao turismo. Este é um fenômeno extremamente
recente. A ligação dos imigrantes portugueses e descendentes com Portugal é
mantida através das inúmeras "associações portuguesas no Brasil", ou
outras instituições como os "gabinetes portugueses
de leitura"
(o carioca, o soteropolitano e o recifense) e o Liceu Literário. Organizações como
a Sociedade
Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro, a Associação Atlética Portuguesa mantiveram
a comunidade portuguesa
unida e contribuíram para asociedade brasileira.
Portais
de notícias online como o
"Mundo Lusíada" mantêm a comunidade portuguesa numa constante ligação
com Portugal. São também eleitos os portugueses representantes do Brasil no Conselho das
Comunidades Portuguesas.6 Segundo
o jornal, Folha de São Paulo, a comunidade imigrante
portuguesa é a maior do Brasil atualmente. Dos aproximadamente 1,5 milhão de
estrangeiros residentes no Brasil, 596 mil são portugueses.
Histórico
A primeira missa realizada no
Brasil
“Portugal
não tem outra região mais fértil, mais próxima, nem mais frequentada, bem
como não encontram seus vassalos melhor e mais seguro refúgio do que no
Brasil. O português atingido por qualquer infortúnio para lá emigra”
|
— Gaspar Dias. Séc. XVIII
|
Seguido
ao descobrimento do Brasil, em 1500,
começaram a aportar na região os primeiros colonos portugueses. Porém, foi só
no século XVII que a emigração para o Brasil se tornou significativa.
Acompanhando a decadência do comércio na Ásia,
as atenções da Coroa Portuguesa se voltaram para o Brasil. No século XVIII,
com o desenvolvimento da mineração na
economia colonial, chegaram à colônia centenas de milhares de colonos. Após a
independência, na primeira metade do século XIX,
a emigração portuguesa ficou estagnada. Cresceu na segunda metade do século,
alcançando seu ápice na primeira metade do século XX,
quando chegavam ao Brasil, anualmente, 25 mil portugueses.
Antecedentes
A
emigração portuguesa foi um fenômeno que se intensificou com a expansão
ultramarina que Portugal iniciou ainda no século XV. O processo migratório se
alargou com a tomada de Ceuta, em 1415. Com a apropriação de novos territórios por
parte do governo português, os lusitanos rumaram para a África e
para aÁsia,
depois para as Américas e para Castela (Espanha). No primeiro quartel do
século XVI, a corrente migratória lusa dirigia-se para as ilhas atlânticas e
praças do Norte da África, entre os séculos XV e XVI se
expande para praças e fortalezas da costa ocidental africana e chega ao Índico.
Depois do primeiro quartel do século XVI dirigiu-se cada vez mais para o Brasil
e às costas atlânticas.
O
fluxo migratório português assumiu diversas facetas: simples ocupações
militares, povoamento de ilhas desertas, passando por diferentes tipos de
colonização e pelo surgimento de núcleos populacionais portugueses em regiões
já habitadas.
A
descoberta do arquipélago da Madeira, na primeira metade do século XV, aumentou
o fluxo migratório. A isso foi seguida a ocupação do arquipélago dos Açores, de Cabo Verde e
de São Tomé, bem como a estratégia defensiva das
praças, fortalezas e entrepostos comerciais na costa africana. Porém, a saída
de pessoas do Reino só se avolumou após a viagem de Vasco da Gama e
a descoberta do Brasil. Antes disso, estima-se que saíam de Portugal para
outras partes 500 pessoas anualmente, número bastante reduzido, que não afetava
o crescimento populacional português. Portanto, para o século XV, não mais que
50 mil portugueses saíram do país, sendo que Portugal tinha uma população de
cerca de 1,2 milhão de pessoas.
No
século XVI, o fenômeno migratório se tornou mais relevante. Entre o ano de 1500
e a União Ibérica, a média anual de saídas cresceu
para 3.500 indivíduos, um total de 280 mil partidas, subindo para 5.500 saídas
anuais no período filipino, entre 300 e 360 mil emigrados.
No
Norte da África, até 1470, a população portuguesa não passava de algumas
centenas de indivíduos. Por outro lado, em 1540 já havia na região 5 mil
soldados e 25 mil residentes civis portugueses. Depois, o número foi
decrescendo. Com a descoberta das ilhas atlânticas, cada vez mais lusos para
elas se deslocaram. A colonização da Madeira, iniciada por volta de 1425,
atraiu colonos: trinta anos após o inicio, havia 3 mil pessoas no arquipélago.
Em 1550, a população da Madeira já rondava a casa de 200 mil pessoas, dos quais
3 mil eram escravos. Nas décadas de 60 e 70 do século XV Portugal viu-se
obrigado a incentivar a ida de colonos para os Açores, que apresentava
dificuldades de ocupação. Embora os primeiros colonos fossem em grande medida
flamengos e bretões, as ilhas registraram um crescimento populacional geral no
século XVI com a chegada de colonos portugueses. Por outro lado, as ilhas de Cabo
Verde e São Tomé, apesar de serem destinos de portugueses, contavam com maioria
da população composta por negros escravos.
No
Oriente, os riscos da viagem e as dificuldades de estadia coibiam a imigração.
De qualquer maneira, em 1513, Afonso de Albuquerque estimou em 2.500 o número
de portugueses na Ásia, 4 mil três anos depois, atingindo 6 ou 7 mil em 1540.
Na década de 1570 já seriam 16 mil. Goa constitui o maior
povoado português, com 5 mil indivíduos.
A
partir do século XVI, com a descoberta do Brasil, o fluxo migratório português
cada vez mais se voltou para a colônia sul-americana. A emigração, porém, não
atingiu valores alarmantes até a segunda metade do século XVII, quando cresceu
ao ponto de forçar o governo português a tomar medidas que visavam restringir
as saídas de pessoas de Portugal.
Durante
a expansão ultramarina, os portugueses desenvolveram dois modelos distintos de
colonização: um baseado no povoamento e outro no estabelecimento de feitorias.
O primeiro foi usado nas ilhas atlânticas que, despovoadas, foram consideradas
juridicamente extensão do reino continental, sendo colonizadas por imigrantes
portugueses que nelas se estabeleceram e desenvolveram produções econômicas. O
segundo modelo de colonização, por outro lado, foi usado nas costas da Ásia e
da África. Ali, os portugueses encontraram um ambiente ecológico pouco atrativo
e populações nativas demasiadamente densas para serem submetidas com
facilidade. Portanto, se limitaram a estabelecer feitorias ou
postos comerciais fortificados no litoral, que serviam como base para a troca
comercial com os nativos.
O
Brasil tinha uma imagem mais ambígua, uma vez que, do ponto de vista
geográfico, se assemelhava às ilhas atlânticas, porém, assim como a África e a
Ásia, possuía uma população nativa. Dessa forma, nos primeiros trinta anos de
colonização, os portugueses desenvolveram no Brasil o "sistema
africano", com o estabelecimento de feitorias no litoral para a retirada
do pau-brasil.
Todavia, com o estabelecimento das capitanias hereditárias, o sistema usado
nas ilhas do Atlântico passou a ser adotado no Brasil, por meio da ocupação de
fato do território.
No Brasil
O
Brasil foi descoberto pelos portugueses em 22 de abril de 1500. Logo após o fato, os
colonos passaram a se estabelecer na colônia, porém, de forma pouco
significativa. De início, aqui foram deixados degredados (pessoas tidas como
indesejáveis em Portugal, que tinham como pena o degredo no Brasil). Esses
primeiros colonos foram abandonados à própria sorte e acabaram sendo acolhidos
pelos grupos indígenas que viviam no litoral. Os degredados chegaram a compor
de 10 a 20% da população da Bahia e Pernambuco (áreas
mais ricas). Em contrapartida, nas regiões periféricas, como o Maranhão,
os degredados eram entre 80 e 90% da população portuguesa.
Típico engenho de cana-de-açúcar.
Durante
os séculos XVI e XVII,
a imigração de portugueses para o Brasil foi pouco significativa. A Coroa Portuguesa
preferia investir na sua expansão comercial no continente
asiático e pouco valorizava as suas possessões nas Américas.
Porém, durante o século XVI, piratas franceses e
de outras nacionalidades começaram a rondar o território brasileiro e a fazer
tráfico de pau-brasil dentro das terras lusitanas. Essa situação
obrigou a Coroa Portuguesa a começar efetivamente a colonização do Brasil. Os primeiros colonos
portugueses começaram a chegar ao Brasil em maior número após 1530. A colônia foi
dividida em capitanias hereditárias e as terras
foram divididas entre nobres lusitanos. Para promover a colonização desses
grandes lotes de terra, a Coroa Portuguesa passou a incentivar a ida de colonos
para o Brasil, que recebiam sesmariase tinham um prazo de tempo para desenvolver a produção.
A
fixação de portugueses no Brasil só se tornou significativa na segunda metade
do século XVI. Em meados deste século, a colônia contaria com uns 2 mil brancos
e 4 mil escravos.
Por volta de 1583-1584, a população portuguesa na colônia crescera para 20 mil,
em 1600 para 32 mil e em 1612 para 50 mil. O povoamento português no Brasil se
limitava quase que exclusivamente à faixa litorânea e permaneceu escasso nos
séculos XVI e XVII. Porém, levando em conta que Portugal tinha uma população
bastante pequena (um milhão e meio de habitantes) e que o país também estava
empenhado em povoar as ilhas atlânticas e em se expandir da África à Ásia, não
representava pouco o número de portugueses já estabelecidos no Brasil naquela
altura.
Embora
a colônia tenha sido dividida inicialmente em quatorze capitanias, a maioria não se desenvolveu e a
população se concentrava em apenas três (Bahia, Pernambuco e São Vicente (hoje
São Paulo). O sucesso da lavoura canavieira impulsionou a fixação de colonos
portugueses. No século XVII, a colonização se expandiu com algum esforço
organizado para colonizar o norte (Maranhão e Pará), em resposta a incursões estrangeiras.
Após a expulsão dos holandeses de Pernambuco (1624-1654) a emigração foi
retomada. Na década de 1680, partiriam de Portugal anualmente uns 2 mil
emigrantes com destino a Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. No final do século
XVII, a população branca portuguesa já se aproximava de 100 mil indivíduos. O
Brasil já era, de longe, a maior colônia portuguesa no mundo.
Capitania (vilas principais)10
|
População branca (1570)
|
População branca (c.1585)
|
Itamaracá
|
600
|
300
|
Pernambuco
|
6.000
|
12.000
|
Bahia
|
6.600
|
12.000
|
Ilhéus
|
1.200
|
900
|
Porto Seguro
|
1.320
|
600
|
Espírito Santo
|
1.200
|
900
|
Rio de Janeiro
|
840
|
900
|
São Vicente
|
3.000
|
1.800
|
Totais
|
20.760
|
29.400
|
Nesse
período, vieram para o Brasil portugueses de todos os tipos: ricos fazendeiros,
aventureiros, mulheres órfãs, degredados, empresários falidos e membros doclero. O foco da imigração
foi a Região Nordeste do Brasil, já que as
plantações de cana-de-açúcar estavam em pleno
desenvolvimento. Essa imigração colonizadora ficou marcada pela masculinidade
da população: as mulheres portuguesas raramente imigravam, pois na Europa o
Brasil possuía a imagem de uma terra selvagem e perigosa, onde apenas os homens
poderiam sobreviver. No Nordeste brasileiro nasceu uma sociedade açucareira
rígida, formada pelo colono português e seus escravos africanos.
Para suprir a falta de mulheres portuguesas, a Coroa Portuguesa passou a enviar
para o Brasil mulheres órfãs que, ao invés de seguirem o caminho religioso, iam
se casar no Brasil. Todavia, os esforços não foram suficientes e a miscigenação ocorreu
em larga escala: as mulheresindígenas e africanas acabaram por substituir a falta das
mulheres portuguesas.
Surge,
então, o "branco da terra": filho do colono português com as índias
locais. Mais tarde, surge a figura do mulato: filho do
europeu com as africanas.13Desembarcaram
também na colônia judeus, muitos cristãos-novos e ciganos.
Sob o domínio holandês centenas de judeus de Portugal e Espanha se
instalaram, sobretudo, em Pernambuco, acrescentando à diversidade étnica do Brasil
colonial.
Os degredados
Em
Portugal, a pena do degredo era utilizada desde a Idade Média.
Os condenados por algum crime podiam ser mandados para lugares mal povoados e
zonas fronteiriças do País. Um destino muito visado era o Algarve. Porém,
com as descobertas portuguesas a partir do século XV,
muitos condenados passaram a ser mandados para a África,
a Índia e
para o Brasil. Os degredados eram "desajustados sociais",
indesejáveis em Portugal, que eram banidos para possessões ultramarinas por um
tempo determinado ou, em muitos casos, indefinidamente. A pena de degredo para
o Brasil era considerada a pior penalidade que havia, apenas superada pela pena de morte.
No imaginário português, havia uma dicotomia entre ora considerar o Brasil uma
espécie de paraíso terrestre e ora considerá-lo o inferno na
Terra. A natureza virgem da colônia contribuía para criar a imagem do paraíso
terrestre, principalmente entre o clero, que chegou a ver a descoberta do
Brasil como uma manifestação de Deus.
Porém,
os relatos sobre a colônia também já assumiam uma perspectiva negativa, alguns
com descrições reais, outros fantasiosos, a medida que se propagava que o Brasil
era habitado por animais selvagens, mas também por seres como monstros e
dragões. Além da fauna e da flora exóticas e perigosas, a imagem dosíndios também
era tingida de elementos preconceituosos, uma vez que sob os olhos dos europeus
eles eram "selvagens" e a prática da antropofagia entre
os índios foi usada pelos europeus para denigri-los. Ademais, o degredo para o
Brasil significava, além de partir para uma terra desconhecida e tida como
perigosa, ter que enfrentar uma viagem oceânica torturante e a separação da
família.
Com
toda essa visão negativa que recaía sobre o Brasil, era natural que muitos
portugueses temessem se transferir para a colônia. Povoar o Brasil e,
consequentemente, estabelecer o controle português na região, foi uma tarefa muito
difícil para a Coroa Portuguesa. Além do fato de que Portugal tinha uma
população muito pequena, eram poucos aqueles que se atreviam a se aventurar
numa terra vista como perigosa. Em virtude disso, o degredo foi usado por
Portugal como uma forma de povoar a colônia. Na carta de Pero Vaz de Caminha já havia o relato de
degredados que no Brasil ficaram logo após o descobrimento. Era conveniente
para muitos degredados ficar no Brasil, pois penetravam a colônia e se
mantinham longe da rígida justiça portuguesa. Na colônia se integravam,
normalmente eram acolhidos pelos índios e se uniam a mulheres indígenas. Nas
décadas seguintes, Portugal continuou mandando degredados para a colônia.
Parte
da historiografia brasileira e também o senso comum costumam
afirmar que Portugal mandou para o Brasil a "escória" da sociedade
portuguesa: prostitutas, assassinos, ladrões. É corriqueiro afirmar que grande
parte das mazelas da sociedade brasileira são fruto desse tipo de povoamento
que juntou portugueses "degenerados", índios "lascivos" e
africanos "libidinosos", dando origem a uma sociedade problemática.
Além de ser uma afirmação falsa, essa tese está tingida de preconceitos e de
uma baixa estima dos próprios brasileiros em relação aos seus antepassados.
Na
realidade, os degregados eram pessoas que haviam sido condenadas pelos mais
diversos crimes. Na sociedade portuguesa da Era Moderna,
marcada pela religiosidade católica e
por um Estado absolutista, uma enormidade de condutas eram tipificadas como
crime. Porém, para os padrões atuais, essas condutas não mais tipificariam um
crime. É salientável que o conceito de crime varia com o decorrer do tempo e
com o contexto em que se encontra determinada sociedade. Portanto, o que
poderia ser considerado um crime gravíssimo em uma sociedade pode ser uma
conduta irrelevante para outra. Assim, poderiam ser condenadas ao degredo
pessoas setenciadas por homicídio, roubo e fraude. Mas também
poderiam receber a mesma pena mulheres que fossem pegas fazendo fofoca. A maioria
dos condenados receberam a pena de degredo por terem condutas que, atualmente,
seriam consideradas crimes leves ou nem ao menos seriam crime, como por
pequenos furtos, promessas de casamento não cumpridas, vício em jogo, lesa-majestade,
seduções, adultérios, sodomia, misticismo, judaísmo e blasfêmias, entre outros do
gênero. Portanto, a maioria dos degredados não fazia parte da tal
"escória" portuguesa, que muitos ainda acreditam que povoou o Brasil.
Tanto
a Igreja como a Coroa Portuguesa acreditavam que, com o degredo, o condenado
iria purgar sua alma por
meio do trabalho. Além de ser uma forma de eliminar esses elementos
indesejáveis da sociedade portuguesa e de fazê-los purgar a alma, o degredo
também foi usado como um estratagema da Coroa Portuguesa de povoar o Brasil e
condutas, que hoje poderiam ser tidas como irrelevantes, eram penalizadas com o
exílio. Um caso ilustrativo aconteceu com um aspirante a padre de nome
André Vicente que, em 1632, foi condenado a três anos de degredo no Brasil por
limpar o nariz utilizando os panos do altar da igreja. Com o objetivo de povoar
a colônia, sempre que um navio deixava Portugal rumo ao Brasil, havia ali uma
quota de degredados.
Minorias étnicas
O
Portugal quinhentista não configurava uma sociedade homogênea. Ao lado da
maioria cristã, havia importantes minorias muçulmanas, judaicas e ciganas. Após
a Reconquista Cristã, os mouros de Portugal já
se encontravam avançadamente aculturados e a sua assimilação dentro da
sociedade portuguesa aconteceu sem maiores problemas. Por outro lado, os judeus (e cristão-novos)
e os ciganos eram
etnias que frequentemente foram hostilizadas e mesmo perseguidas em Portugal.
Essas duas etnias foram marginalizadas da sociedade portuguesa e muitos deles
foram para o Brasil, seja de forma forçada (pelo degredo) ou voluntariamente.
Os
judeus foram frequentemente hostilizados, proibidos de seguir sua religião e
costumes e forçados a se converter ao cristianismo. Muitos deles eram acusados,
por desafetos, de práticas judaizantes, ofensas à Igreja Católica e de fazer
pactos demoníacos.
Não era apenas a religiosidade mística, etnocêntrica e preconceituosa que
levava a essa situação. Interesses econômicos também, uma vez que os judeus
exerciam forte influência no comércio da Bahia e de Pernambuco. Foi apenas em
1773, por decisão do Marquês de Pombal, que se proibiu a distinção
entre cristãos-velhos e cristãos-novos e no ano seguinte foi permitido o acesso
de judeus e descendentes a cargos públicos e honrarias.
Quanto
aos ciganos, o governo português apresentava uma dualidade: ora os forçava a ir
para o Brasil, ora restringia a sua entrada na colônia, mas sempre mantendo uma
atitude hostil. Também foi pela ação do Marquês de Pombal que foram proibidas as
restrições contra essa etnia. De qualquer maneira, durante todo o período
colonial imperaram as restrições aos judeus e ciganos, seja de caráter social
ou oficial. Ambos eram vistos como diferentes e ameaçadores, numa sociedade
extremamente etnocêntrica e intolerante à convivência com valores e verdades
heterogêneos.
Os convertidos ou cristãos-novos
Pessoa sendo queimada viva na
fogueira. Os horrores da Inquisição compeliram muitos portugueses a migrarem
para o Brasil.
Uma
população numerosa de portugueses descendentes de judeus se estabeleceu no
Brasil colonial. Durante vários séculos, judeus, cristãos e muçulmanos conviveram
de forma pacífica na Península Ibérica. A Ibéria era um lugar único
na Europa onde o hibridismo criou uma sociedade culturalmente rica. Os
judeus chegaram à Península Ibérica antes do nascimento de Jesus Cristo e
os islâmicos a invadiram no ano de 711, deflagrando uma
maciça imigração proveniente do Norte da África,
de mouros.
Mesmo após os avanços da Reconquista Cristã no século XIII,
a Espanhaainda
tinha mais afinidade com a sociedade muçulmana do que com o resto da Europa.16 Mesmo
os cristãos-velhos(ibéricos sem ascendência
judaica ou muçulmana) pareciam "exóticos" aos olhos dos europeus do
Norte, pois absorveram diversos aspectos tanto da cultura judaica quanto da
islâmica. Os séculos de convivência entre esses povos foram quebrados no século XV e
no século XVI, quando a Inquisição foi
estabelecida na Espanha (1478)
e em Portugal (1536).
Os Reis Católicos (Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão) tiveram um reinado
conturbado. A Reconquista criou uma natureza militarizada da sociedade
espanhola e a violência na Espanha foi exarcebada com a vitória das classes
guerreiras durante esse período. Depois que os cristãos conquistaram os
territórios dos mouros, várias guerras civis eclodiram na região da Espanha,
ameaçando a estabilidade da monarquia. Era necessário desviar toda essa
agressividade a um inimigo externo, criando um bode expiatório. Dessa
forma, toda a Espanha seria unida para combater um "inimigo" único,
criando uma unidade nacional tão desejada pelos Reis Católicos. Em momentos
conturbados, as sociedades humanas costumam se voltar contra grupos ambíguos,
tendo-os como perigosos e fazendo deles alvos de ataques. No caso espanhol, o
grupo escolhido para ser atacado foi o dos judeus.
Os
convertidos ou cristãos-novos eram descendentes de judeus
que haviam se estabelecido na Península Ibérica há vários séculos. Muitos deles
eram descendentes de judeus que haviam se convertido ao catolicismo por
livre e espontânea vontade. Muitos eram cristãos devotos e irrepreensíveis. Alguns
deles, porém, apesar de serem cristãos, mantinham alguns aspectos culturais
judaicos no seu dia-a-dia. Formavam, portanto, um grupo ambíguo que não era
visto peloscristãos-velhos como iguais a eles,
tampouco eram aceitos pelos judeus. Portanto, não foi difícil desmoralizá-los e
transformá-los em alvo de agressividade. Os cristãos-novos foram os primeiros a
ser perseguidos pela Inquisição. Depois de terem sido proibidos de assumir
certos cargos, muitos foram julgados pela Inquisição, foram presos, torturados,
tiveram seus bens confiscados e foram queimados vivos. Finalmente, em 1492, os judeus foram
expulsos da Espanha e a violência da Inquisição se voltou contra os mouros,
mais tarde contra os protestantes, franco-maçons, bruxas, iluministas, jansenistas, homossexuais, bígamos e
qualquer grupo que desviasse dos padrões impostos pela Igreja. Os próprios
católicos passaram a ser vítimas da Inquisição, pois criou-se na Península
Ibérica uma sociedade "paranoica e neurótica", onde as pessoas eram
vigiadas por seus vizinhos e qualquer comportamento suspeito já ensejava uma
denúncia. A Inquisição foi mais uma entidade política do que religiosa, e era
frequentemente usada pelas pessoas para se conseguir poder e eliminar inimigos
indesejáveis.
Nesse
ambiente perigoso, judeus e convertidos migraram em massa da Espanha para
Portugal entre 1480 e 1496. Porém, o rei Manuel I de Portugal pretendia se casar
com a filha dos Reis Católicos e, como condição para aceitar o matrimônio, o
monarca espanhol pediu ao português que também expulsasse os judeus. Portanto,
em 5 de dezembro de 1496, Portugal também decretou a expulsão dos judeus,
dando-lhes até outubro do ano seguinte como prazo para sair. Todavia, estima-se
que 10% da população portuguesa fosse judia naquela altura, e o rei não podia
se dar ao luxo de perder toda aquela população e os benefícios econômicos que
ela dava a Portugal. Assim, o rei impediu a saída dos judeus de Portugal e
decidiu que eles deveriam ser convertidos à força ao cristianismo. Portugal, ao
contrário da Espanha, nunca teve o "problema mouro" para resolver.
Após a Reconquista, os islâmicos de Portugal já estavam bastante
"iberizados" e foram facilmente assimilados dentro da sociedade
portuguesa. Na Espanha, por sua vez, ainda havia uma grande população muçulmana
não assimilada, e ela foi a próxima vítima da Inquisição espanhola. Portanto,
a fúria da Inquisição portuguesa se voltou exclusivamente contra os judeus e os
convertidos. Durante os séculos seguintes, muitas pessoas foram acusadas de
cometer criptojudaísmo, ou seja, de praticar o judaísmo em segredo. De
fato, muitos cristãos-novos, ao serem perseguidos como "judeus",
apesar de muitos não praticarem mais o judaísmo e de serem católicos devotos,
acabaram reacendendo o sentimento de ser judeu, dividindo membros da mesma
família. Assim, houve casos de irmãos cristãos que denunciavam irmãos judeus
para a Inquisição, e até mesmo de um filho cristão que denunciou a mãe judia. Os
inquisidores se debruçavam sobre a árvore genealógica das pessoas para
averiguar se certo indivíduo tinha algum antepassado judeu. Surgiu aí o
conceito de "limpeza de sangue" que atormentou a sociedade ibérica.
Muitos historiadores afirmam que o racismo moderno
nasceu na Península Ibérica a partir de então, com conceitos de "sangue
puro" e "sangue impuro". Houve casos de pessoas que foram queimadas
por possuírem um trisavô judeu, apesar de desconhecerem tal origem. Isso deixou
a sociedade em estado de paranoia, pois muitas pessoas passaram a temer que
houvesse algum judeu em sua árvore genealógica.
A América Latina se
tornou um destino visado por esses judeus e cristãos-novos perseguidos. Se na
Península Ibérica eles foram transformados em "bodes expiatórios", no Novo Mundo havia
outras vítimas a ser perseguidas: os índios e
os negros.
Portanto, no Continente Americano, onde a perseguição já
começava a assumir um viéis racial, esses judeus e convertidos, incluídos na
categoria de "brancos", encontraram um ambiente onde eles eram menos
notados e onde a agressividade estava se voltando contra outras vítimas. Assim,
no México,
em 1550,
em torno de 20% da população europeia era formada por convertidos. NoPeru, a proporção era de
dois convertidos para um cristão-velho. Em Porto Rico,
havia reclamações de que comerciantes judeus estavam "ocupando a
ilha". EmCuba,
oficiais reclamavam que costumes judaicos estavam sendo ensinados aos índios.
No Brasil, o número de cristãos-novos era tão grande que, devido à ausência de
outros portugueses alfabetizados, muitos deles ocupavam cargos oficiais, apesar
de haver uma proibição real. Para o século XVI, estima-se que cristãos-novos
compunham 14% da população "branca" em Pernambuco. Entre
1579 e 1620, 32% dos donos de engenhos de cana-de-açúcar em Pernambuco eram de
origem judaica.
Pesquisadores
encontraram certas peculiaridades da cultura judaica ainda sendo praticadas na
Espanha, em Portugal e no Brasil em momentos recentes. São aspectos culturais
praticados por pessoas que se dizem cristãs e que desconhecem qualquer vínculo
com o judaísmo, o que mostra como foi grande a influência judaica, mesmo após
séculos de expulsões e conversões forçadas.
Os ciganos
O quadro de Debret, Interior de casa cigana (c.
1820). A obra retrata a relação entre ciganos e escravos no Brasil colonial.
Outra
etnia minoritária de Portugal que se fez presente no Brasil colonial foram os ciganos. Desde o século XVI muitos
ciganos foram degredados para o Brasil. Inicialmente, pessoas de etnia
cigana foram degredadas ao Brasil por crimes que cometiam em Portugal,
sobretudo furto.
Mais tarde, eles passaram a ser mandados para o Brasil pelo simples fato de
serem dessa etnia. Os ciganos eram indesejáveis em Portugal, e a Coroa os
degredava para a colônia para diminuir sua presença indesejável na Metrópole e
transferir seu problema de integração para lá. Em 1755, o grande número de
ciganos em Salvador já preocupava e causava incômodo nos oficiais da Câmara. Embora
muitos defendessem a expulsão dessas pessoas da região, a decisão tomada foi de
“separar de tal forma as famílias de ciganos, que não pudessem mais produzir
uma geração inútil, mal educada e perniciosíssima”, nas palavras do procurador
da Fazenda de Salvador à época. A intenção era de separar os jovens dos adultos
e mandar os de pouca idade para regiões afastadas, onde pudessem contrair
matrimônios mistos. Os ciganos já casados deveriam ser mandados para Angola.
Os
ciganos costumavam se concentrar em “ranchos”, e a política da época consistia
em tentar dispersá-los. No século XVIII, havia ciganos espalhados por todo o
Brasil. Em todos os lugares eram frequentemente acusados dos mesmos crimes:
roubo de cavalos e de escravos. Quanto às mulheres, surgem na documentação da Inquisição sobretudo
como adivinhadoras. Tendiam a contrair matrimônio somente com outros ciganos e
com parentes colaterais, raramente tendo filhos ilegítimos, naturais ou
adulterinos. Muitos ciganos trabalhavam como vendedores, outros eram senhores
de escravos ou se ocupavam no tráfico de escravos.
Relação com os
índios
Durante
o período das feitorias (1502-1534) a relação entre portugueses e índios foi,
de forma geral, amistosa. Por meio do escambo,
os portugueses ofereciam aos nativos artefatos tecnológicos que aumentaram enormemente
a produção da economia tradicional indígena e, em contrapartida, os índios se
predispunham a trabalhar na derrubada e transporte do pau-brasil para
carregar os navios portugueses. Essa parceria começou a se deteriorar com o
estabelecimento das capitanias hereditárias, vez que a intenção da maioria dos
donatários era de estabelecer plantações de cana-de-açúcar fato que,
inevitavelmente, colocou em xeque o direito dos índios à terra.
Com
o estabelecimento dos engenhos de cana, o senso de territorialidade dos
indígenas foi violado. Ademais, o plantio da cana exigia uma grande força de
trabalho, maior do que os colonos tinham condição de suprir. A única
alternativa, portanto, foi recorrer ao trabalho indígena. Porém, como o tipo de
trabalho para manter uma plantação de cana era desconhecido dos índios e os
horários rígidos eram totalmente opostos à sua índole, as duas culturas
entraram em conflito.
Os
homens tupis estavam habituados a derrubar árvores, o que facilitou sua
adaptação no período das feitorias. Porém, a agricultura era exclusiva das
mulheres índias, e os homens se negavam a trabalhar na terra. Na cultura
indígena era ausente a ambição pelo bem material e os colonos tinham pouco a
oferecer em troca de seu trabalho. Em face a essa recusa, os portugueses
passaram a escravizar os índios para trabalharem nas crescentes plantações e
engenhos.
Os
índios se tornaram o "grande obstáculo" à expansão portuguesa na
colônia. A resistência nativa foi violenta e revelou-se avassaladora na metade
da década de 1540. Os índios varreram a costa e destruíram as colônias da
Bahia e de São Tomé e devastaram severamente as do Espírito Santo e de
Pernambuco. Porém, os indígenas estavam em desvantagem em relação aos
portugueses, que dominavam tecnologias bélicas mais avançadas. Enfim, as
epidemias, a escravatura e a ação religiosa jesuítica arruinaram a cultura das
sociedades indígenas dominadas e os sobreviventes tiveram que se reintegrar
numa sociedade colonial estruturada sob os moldes portugueses. Tal fato, porém,
resultou numa crescente população mestiça de pais portugueses e mães indígenas,
sobretudo nas regiões mais isoladas da colônia, onde a população europeia
feminina era muito pequena.
A
"pacificação" dos índios somente ocorreu no século XX com o marechal Cândido Mariano Rondon. . Na Capitania de
Minas Gerais somente foi possível iniciar uma colonização mais intensiva depois
da Guerra aos Botucudos ordenada por D. João VI, que dizimou estes povos
indígenas. Os jesuítas, sob o pretexto de "civilizar povos
bárbaros", cristianizou muitos índios fazendo-os deixarem seus costumes (aculturação).
Imigração de
transição (1700-1850)
Ouro Preto,
principal destino do fluxo de imigração durante esse período.
No
final do século XVII,
a imigração portuguesa no Brasil alcança cifras jamais vistas até então. Os
fatores para esse crescimento imigratório foram a descoberta de ouro nas Minas Gerais,
o aprimoramento dos meios de transporte aquáticos e o fluxo de colonos
açorianos para o Sul. No início do século XVIII, a exploração das minas de ouro
tornou-se a principal economia da colônia. O desenvolvimento e riqueza trazidos
pelo ouro atraíram para o Brasil um grande contingente de colonos portugueses
em busca de riqueza. Nessa época, surge o mineiro, que era o colono
português que enriqueceu no Brasil graças ao ouro e as pedras preciosas.
A
partir do final do século XVII, o tráfego de portugueses para o Brasil pode ser
mais coerentemente descrito como "emigração"
do que como "colonização". De fato, na história da emigração
portuguesa, é muito difícil distinguir quem poderia ser inscrito na categoria
de "colonizadores" daqueles cuja categoria de "emigrantes"
seria mais apropriada. De um ponto de vista lógico, emigrante é gênero e
colonizador é espécie. Mais profundamente, colonizador é o indivíduo que
abandona sua pátria natal com destino a uma colônia, em decorrência de uma
iniciativa estatal ou integrado em empresa de âmbito nacional por ela promovida.
Emigrante, por outro lado, é aquele que optou por abandonar seu país por
motivos pessoais, independentemente de solicitações oficiais e, até mesmo, em
oposição a estas (como foi no caso da corrida do ouro) .
Seguindo
essa linha de raciocínio, até o final do século XVII, predominou no Brasil uma
emigração colonizadora. A partir de então, com o rush produzido
pela descoberta das minas de ouro, tomou um caráter de emigração stricto
sensu. Porém, não houve a eliminação da emigração de caráter colonizador,
uma vez que colonizadores e simples emigrantes sempre coexistiram.
A corrida do ouro
O
surto urbano que se deu na colônia graças à mineração fez crescer as ofertas de
emprego para os portugueses. Antes, os colonos eram quase que exclusivamente
rurais, dedicando-se ao cultivo da cana-de-açúcar, mas agora surgiriam
profissões como de pequenos comerciantes.
A
maior parte da imigração foi de pessoas originárias do Minho. De início, a Coroa Portuguesa incentivou
a ida de minhotos pobres para o Brasil, onde se fixaram principalmente na
região de Minas Gerais e na Região Centro-Oeste do Brasil, onde foram
encontradas minas de ouro. Porém, a imigração tomou proporções altíssimas, e a
Coroa passou a controlar a ida de portugueses para o Brasil. "Viu-se em
breve tempo transplantado meio Portugal a este empório", nas palavras de
Simão Ferreira Machado em Triunfo Eucarístico, livro publicado em
Lisboa em 1734.
Pela
vinda em larga escala de colonos, a língua portuguesa tornou-se dominante no
Brasil em meados do século XVIII, em substituição ao tupi-guarani,
ou língua geral.
A
notícia de que ouro havia sido achado correu a colônia. Em pouco tempo, legiões
de pessoas de diferentes partes da colônia abandonaram suas terras e partiram
para a região mineradora. A notícia também atravessou o Atlântico e chegou a
Portugal. Em pouco tempo, milhares de portugueses atravessaram o oceano em
busca de fortuna no Brasil. O surto migratório que se deu de portugueses do
Minho em direção às áreas mineradoras da colônia foi tão intenso que Portugal
teve que baixar três leis proibindo a migração de pessoas do Noroeste português
para o Brasil, nos anos de 1709, 1711 e 1720. Em relação à lei editada em 1720,
autoridades portugueses afirmaram: "Tendo sido o mais povoado, o Minho
hoje é um estado no qual não há pessoas suficientes para cultivar a terra ou
prover para os habitantes".
A cidade histórica mineira deMariana.
A
corrida do ouro praticamente despovoou vilas inteiras da região do Douro e de
Trás-os-Montes. Em 1703, o embaixador francês em Lisboa informava ao Rei Luís XIV que "O grande número de
pessoas que vai à procura do ouro faz com que reste menos (pessoas) para
trabalhar no cultivo da terra". Milhares de portugueses venderam tudo o
que tinham para conseguir comprar uma vaga em algum navio que partia para o
Brasil. Funcionários da Coroa e comerciantes radicados naÁfrica e
na Ásia abandonaram
seus empregos e rumaram para o Brasil. Nesse período vieram pessoas de todos os
estratos sociais para o Brasil. Portugueses miseráveis que viram essa como
sendo a oportunidade de mudar de vida, pessoas perseguidas pela justiça e pela Inquisição,
assim como fidalgos a
procura de fortuna e aventura. A maioria deles não tinha parentes ou amigos na
colônia, tampouco recurso financeiro. Até 1693, Minas Gerais tinha
uma população não indígena quase inexistente. Dezesseis anos depois, a
população de brancos, mestiços e negros envolvidos na mineração já chegava a 30
mil pessoas. Só de Portugal, nesse período, saía uma média de oito a dez mil
pessoas por ano em direção ao Brasil, totalizando aproximadamente 600 mil
pessoas no decorrer de sessenta anos. Nunca antes na História da colônia houve
uma migração tão maciça.
Os
colonos enfrentavam uma média de oitenta a noventa dias de viagem pelo oceano,
até chegar a Salvador ou a outra cidade costeira. De
lá, tinham que penetrar o interior do Brasil até conseguir chegar à região
mineradora. O caminho até as minas era dificílimo de ser transposto. Muitos
morriam pelo caminho, de fome, de doença, devorados por alguma fera ou
envenenados por animais peçonhentos. Aqueles que conseguiram chegar até as
minas só se preocupavam em extrair o ouro e fazer fortuna o mais rápido
possível.26 Em
decorrência, no período de 1697-1698 e 1700-1701 não havia disponibilidade de comida na
região. Os mantimentos que vinham de outras regiões da colônia não eram
suficientes para abastecer aquela crescente população. Assim, um boi que valia 10
gramas de ouro na Bahia passou a valer 359 gramas na região mineradora. Um
alqueire de milho (equivalente a 36 litros) que em São Paulo custava 1,5 grama
de ouro, nas minas custava 143 gramas. Um pedaço de queijo ou uma galinha tinham
preço equivalente a 25 dias de trabalho. Desta forma, muitas pessoas se viam
cercadas de ouro, mas simplesmente não tinham o que comer e acabavam morrendo
de fome. O caos foi instalado e pessoas se matavam umas às outras por um pedaço
de comida. Com o passar dos anos, o cultivo de alimentos foi estabelecido e a
onda de fome foi superada. Mas além da fome, os aventureiros tiveram que
enfrentar epidemias de varíola e ataques de bandidos. Mais tarde, cresceu a
animosidade entre os paulistas (descobridores das minas) e os forasteiros, a
maioria deles portugueses, que brigavam pelo controle das lavras. Muitos
conflitos daí se originaram mas, por fim, os forasteiros acabaram vitoriosos e
muitos paulistas foram expulsos da região mineradora.
Durante
esse período, cerca de mil toneladas de ouro foram retiradas da região
mineradora, sendo que do total, 800 toneladas foram encaminhadas para a Europa.
A exploração de pedras preciosas na colônia sustentou Portugal por um longo
período. A Coroa portuguesa gastou grande parte do ouro brasileiro para
viabilizar seu modo de vida luxuoso e pomposo. O ouro brasileiro também serviu
para reconstruir Lisboa após o sismo de 1755. Mas pouco dele ficou em
Portugal. A maior parte teve como destino final a Inglaterra,
pois Portugal dependia financeiramente dos ingleses. O ouro brasileiro ajudou o
nascente capitalismo europeu, pulverizando-se por toda a Europa: só a França
utilizou, no século XVIII, 86 toneladas do ouro brasileiro para cunhar moedas.
A
corrida do ouro também teve efeitos decisivos para o Brasil. De apenas 300 mil
habitantes, a colônia saltou para uma população de 3,6 milhões de pessoas em
apenas cem anos, graças ao afluxo de colonos portugueses e escravos africanos.
O interior do Brasil foi povoado graças a esse fenômeno.
A
imigração de portugueses do Norte para Minas Gerais influenciou profundamente
as características sociais daquela capitania, como escreveu o historiadorKenneth Maxwell:
"entre a minoria branca de Minas Gerais predominavam os valores e costumes
das províncias do norte português, especialmente do Minho, Trás-os-Montes,
Porto, Douro e as Beiras (...)."27 Os
colonos transplantaram para a região mineradora "um conjunto particular de
valores sociais e culturais que, no ambiente social e cultural mineiro, apesar
das diferenças superficiais, era muito semelhante ao que haviam deixado para
trás". O Norte de Portugal era uma região com características
sócio-econômicas que o distanciavam das outras regiões portuguesas. No Norte de
Portugal havia a predominância de mulheres entre a população e uma grande
porcentagem de casas chefiadas por mulheres, o mesmo acontecia em Minas Gerais.
No caso português, as mulheres predominavam pois muitos homens emigravam para
outras regiões do reino ou para as colônias, sobretudo para o Brasil, deixando
as mulheres para trás, que ficavam incubidas muitas vezes de gerir o lar. Em
Minas Gerais, embora nas primeiras décadas de exploração mineradora houve uma
verdadeira escassez de mulheres, no final do século XVIII elas já compunham a
maioria da população livre mineira, a maioria delas ex-escravas, de acordo com
Donald Ramos (com base em alguns testamentos por ele examinados), sendo em
número bastante superior às portuguesas entre a população livre mineira, pois
estas raramente emigravam. Curiosamente, as poucas portuguesas cujos
matrimônios foram registrados na Paróquia de Antonio Dias, em Minas, eram
sobretudo açorianas,
e não nortenhas como a maioria dos homens. Em 1807, o escritor Ramalho Ortigão registrou
que "Os Açores são a parte do país que exporta maior número de mulheres".
Também cristãos novos estiveram
presentes na corrida do ouro.
Naturalidade dos testadores na Comarca do
Rio das Velhas, Minas Gerais (século XVIII)31
|
||||||||||
Ilhas
|
Outros
Reinos
|
Alentejo
|
Minho
|
Estremadura
|
Algarve
|
Trás-os-Montes
|
Beiras
|
Não identificado
|
||
10,39%
|
0,47%
|
0,47%
|
66,93%
|
5,98%
|
0,15%
|
5,59%
|
5,82%
|
4,17%
|
Tanto o Norte português quanto Minas Gerais apresentavam "predominância demográfica de mulheres livres, uma grande proporção de famílias chefiadas por mulheres, baixas taxas de casamento, idade de se casar mais tardia que o esperado, uma tendência entre as mulheres solteiras de estabelecerem em domicílios independentes, altas taxas de ilegitimidade e abandono infantil e baixas proporções de famílias nucleares sacramentadas pelo matrimônio". Essas características aproximavam a capitania de Minas Gerais do Norte de Portugal que, por sua vez, se distanciava do resto do país.28 Como observou o historiador Antônio Augusto de Lima Júnior, "ao contrário do que se verificou em outras partes do Brasil, nas Minas Gerais se constatou o fenômeno de uma integral transplantação do espírito e da civilização portuguesa” pois, apesar da miscigenação generalizada entre homens portugueses e mulheres africanas que se deu na capitania mineira, os mestiços acabavam adotando a língua, os costumes, a religião e a mentalidade do pai português.
Em
Minas Gerais, no início de sua construção, a carestia de vida era enorme.
Antonil em "Cultura do Brasil por suas drogas e minas" conta que
especialmente difícil para os portugueses de Minas Gerais era o preço elevado
dos negros usados
na mineração do ouro. Antonil registrou em Minas Gerais preços de escravos de
mesma idade e qualidade como sendo o dobro dos preços praticados em na Capitania
de São Vicente e na Capitania de Itanhaém (Taubaté).
Colonização açoriana e madeirense
A localização das Ilhas dos Açores.
Outro
fator importante na imigração portuguesa durante o século XVII e
o século XVIII foi a imigração açoriana emadeirense para a Região Norte,
a Região Nordeste e a Região Sul do Brasil.
Havia
preocupação em garantir o controle do território, daí a política em promover a
colonização, com casais, nas regiões de fronteira. A ocupação do território era
vista como fundamental. Em 1619, cerca de 300 casais chegaram ao Maranhão,
sendo que o número total de pessoas girava em torno de mil pessoas, número
significativo para a época. Famílias açorianas também foram assentadas no Pará,
sendo exemplo disso as 50 famílias (por volta de 219 pessoas) que embarcaram no
dia 29 de março de 1677, no barco "Jesus, Maria e José", em Horta,
Ilha do Faial. A
região do Maranhão é considerada a primeira a receber colonos
ilhéus de forma organizada. Além dos casais iniciais, vindos com Estácio da Silveira em
1619, outros se seguiram: em 1621 chegaram 40 casais com Antonio Ferreira de
Bettencourt e Jorge de Lemos Bettencourt; em 1625 chegaram outros casais com
Francisco Coelho de Carvalho; nos navios N. S. da Palma e São Rafael, tendo
como capitão Manoel do Vale, chegaram 50 casais em 1676; e nos navios N. S. da
Penha de França e São Francisco Xavier vieram mais colonos. Em 1620,
Manoel Correa de Melo introduziu 200 casais no Pará.
Em 1676, 50 açorianos com 234 pessoas de ambos os sexos desembarcaram emBelém,
provenientes de Feiteira, na ilha do Faial. Em 1751 a
povoação de Macapá recebia ilhéus e recomendava-se ao capitão do navio um trato
especial com os povoadores, "a maior parte são mulheres, crianças e
velhos".
Imigração para o sul
Essa
imigração de portugueses das ilhas para o litoral sulista foi bem menos
significativa numericamente do que a migração de minhotos e outros portugueses
do Norte para a região mineradora. Todavia, o impacto demográfico que esses
colonos das ilhas tiveram no litoral do Sul do Brasil foi enorme. Entre 1748 e
1756, cerca de 6 mil ilhéus chegaram ao litoral de Santa Catarina,
sendo que a população local era de apenas 5 mil pessoas. Santa Catarina recebeu
4.612 pessoas em 1748, 1.666 em 1749, 860 em 1750 e 679 em 1753. Outros tantos
rumaram para o Rio Grande do Sul. Esses colonos portugueses se
fixaram ao longo do litoral, onde fundaram pequenas vilas e lugarejos, vivendo
da produção de trigo e
da pesca.
Essa
imigração promovida pela Coroa foi uma estratégia de ocupação do Sul da
colônia, visando expandir o território para além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas. Mas, ao contrário do
esperado, esses colonos não penetratam o interior, e acabaram por se fixar ao
longo do litoral. Diferente dos outros portugueses no resto da colônia, que
estavam engajados na produção voltada para o comércio exterior, os ilhéus
desenvolveram uma produção agrícola em regime de pequenas propriedades, com o
uso de mão-de-obra familiar.
Para
convencer esses ilhéus a imigrarem para o Brasil, o governo português ofereceu,
principalmente para casais açorianos e para um número menor de madeirenses,
diversas regalias: glebas de terras demarcadas como propriedade para cada casal
e, quando chegassem às terras, receberiam mantimentos, espingarda e munição,
instrumentos de trabalho, sementes para cultivo, duas vacas e uma égua e
sustento alimentar para o primeiro ano. Tanto os Açores como a Madeira eram
regiões paupérrimas de Portugal, onde a população vivia afundada na miséria.37 Em
1751, o governador Manuel Saldanha da Gama escreve: "Nalguns portos da
Ilha, o povo só se alimentava de raízes, flor de giesta e frutos". Portanto,
a transferência para o Brasil com tantas regalias pareceu uma oportunidade
tentadora e irrecusável. Porém, do ponto de vista econômico, a colonização
açoriana foi um fracasso. Isolados em pequenos nichos populacionais ao longo do
litoral, completamente despreparados para desenvolver o trabalho agrícola em
terra desconhecida e sem mercado consumidor para seus produtos, só restou aos
ilhéus desenvolver uma lavoura de subsistência. Aprenderam os usos da terra com
as populações que já viviam na região antes de sua chegada, ajustando-se a um
modo de vida mais indígena que açoriano, substituindo sua alimentação original
por alimentos nativos, como a mandioca. Atualmente,
é difícil distinguir peculiaridades dos Açores nessas regiões de colonização
açoriana. Seu modo de vida é essencialmente o mesmo das populações caipiras encontradas
em outras regiões do Brasil. Mesmo o artesanato da região é essencialmente o
mesmo do encontrado em outras partes do País.
Os
descendentes desses açorianos e madeirenses radicados na Ilha de Santa Catarina permaneceram por
quase dois séculos de certa forma isolados do que acontecia no resto do Brasil,
vivendo basicamente da agricultura de subsistência. Só a partir da década de 1970 que
estradas foram abertas e asfaltadas, interligando essas vilas, que atualmente é
uma região turística.
Ainda
hoje, devido à influência açoriana, o jeito de falar das pessoas da região de Florianópolis é
bastante peculiar quando comparado aos outros brasileiros.
O
impacto da imigração açoriana para o Sul do Brasil foi tão forte que em 1780 os
açorianos respondiam por 55% de toda a população da capitania do Rio Grande do
Sul.40 A
fecundidade dos casais açorianos era enorme. Raro era o casal que não contava
mais de seis filhos. Alguns, como a de um Lopes, atingiram a fabulosa cifra de
vinte e um filhos; o de um Manuel Jacintho, a de trinta filhos, sendo quinze de
cada uma das mulheres com quem foi casado.
Transferência da
corte portuguesa para o Brasil
No
início do século XIX, em decorrência da invasão das tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte, transferiram-se para o Estado do Brasil,
umacolônia do Império Português, a família real e a maioria da nobreza portuguesa. A maioria dos nobres e
demais servos (aproximadamente 15 mil pessoas) fixaram-se na cidade do Rio de Janeiro, entre 1808 e 1822.
Os portugueses na
sociedade colonial
O
colono português reproduziu no Brasil a sociedade estamental da qual provinha,
mas adaptando-se às novas condições. Para a colônia trouxe seus valores, sua
organização jurídica hierarquizada, suas regras familiares, patrimoniais e
obrigacionais. No Brasil havia a sensação da liberdade oferecida pelo Novo
Mundo, onde as estratificações sociais seriam mais frouxas, a mobilidade mais
fácil e a presença do Estado mais tênue. Ao mesmo tempo, havia a moralidade
repressora do catolicismo ibérico.17 Para Gilberto Freyre,
o português se adaptou facilmente aos trópicos devido à dualidade de ser
Portugal um país "bicontinental" entre a Europa e a África, somada à
influência muçulmana, que o teria tornado mais propenso à miscigenação. Essa
explicação estava moldada de subjetivismo,
pois o fenômeno da miscigenação nas colônias não era algo exclusivo dos
portugueses, mas de todos os colonizadores europeus de modo geral ao se
defrontarem com a escassez de mulheres brancas. Na África do Sul os
colonos ingleses também geraram uma ampla população mestiça (coloured),
uma vez inicialmente escassa a presença de mulheres europeias, mesmo ausentes
qualquer influência muçulmana na sua cultura ou uma suposta
"bipolaridade" continental inglesa. A adaptação do português na
colônia e seu processo de miscigenação se deve ao caráter aventureiro de uma
migração a um lugar remoto e desconhecido (o que desestimulava a migração
familiar), a ambição do enriquecimento rápido e o consequente retorno a
Portugal e, como consequência, a escassez de mulheres portuguesas na colônia.
Os
portugueses ocupavam o topo da pirâmide social no período colonial. Ser nascido
em Portugal era a norma no século XVI e XVII da elite, mas não algo
obrigatório. Mais do que ser português nato, era necessário comprovar a
"pureza de sangue" (ausência de antepassados judeus, mouros, índios e
negros), até certo número de gerações, além de estudos em Portugal, geralmente
na Universidade de Coimbra. A
"nobreza" colonial era composta pelos senhores de engenho e pelos
"homens bons" das câmaras municipais. No segmento superior da
sociedade figuravam os proprietários rurais, os grandes comerciantes do litoral,
os mineradores enriquecidos e a alta burocracia. Os proprietários rurais eram
os senhores de engenho, proprietários de fazendas canavieiras, pecuaristas
nordestinos e gaúchos, latifundiários que se autoproclamavam a "nobreza da
terra", sobretudo os primeiros. Os grandes comerciantes do litoral,
discriminados pela aristocracia da terra, eram quase sempre impedidos de
exercer cargos públicos, só adquirindo um status elevado após o período
pombalino em Portugal. No século XVIII surgiu o novo grupo social, composto
pelos mineradores de ouro e diamantes, responsáveis pela edificação das cidades
barrocas de Minas Gerais. Por fim, a alta burocracia
colonial, composta de administradores (governadores, secretários, juízes,
ouvidores, desembargadores, militares graduados, técnicos fazendários e
autoridades eclesiáticas, como bispos e arcebispos).
Também
havia portugueses no setor intermediário da sociedade colonial. Esse setor não
chegava a compor uma classe média, como nos países de economia industrial, mas
uma classe heterogênea que conseguia escapar da dicotomia "senhor-escravo".
Na região açucareira, era composta pelos lavradores de cana menos abastados e
os assalariados do engenho. Nas regiões pecuaristas, os vaqueiros que
conseguiam criar gado suficiente para estabelecer a sua própria criação. Em São
Vicente (São Paulo), o pequeno proprietário que, no contexto da pobreza daquela
região, possuía alguns recursos e se infiltrava até mesmo dentro da
aristocracia local. Sem dúvida foi a região mineradora a que mais propiciou o
crescimento desse setor intermediário, uma vez que o caráter urbano daquela
sociedade aumentava as oportunidades, como para comerciantes e tropeiros.
Na
base da pirâmide social estavam os homens livres pobres (brancos, mamelucos,
mulatos, libertos), os indígenas e os escravos (negros e índios). Dentro desse
grupo estavam os vaqueiros das áreas pecuaristas (ao longo do rio São Francisco, partes do Nordeste e do
Sul), que exerciam sobretudo a lavoura de subsistência. Também poderiam estar
numa área de semimarginalidade: prostitutas,
vadios, capangas e marginais propriamente ditos. O grupo mais numeroso era dos
escravos, tanto africanos como indígenas, dos quais a sociedade era
extremamente dependente. O jesuíta André João Antonil escreveu que os
escravos eram "os pés e mãos dos senhores de engenho", frase esta que
poderia ser estendida aos outros setores da economia. Havia um grande
desprestígio pelo trabalho manual e uma generalizada visão do escravo como um
objeto, fazendo com que as pessoas, assim que conseguissem juntar algum
dinheiro, adquirissem um escravo. O prestígio social era medido pelo número de
escravos que determinada pessoa tinha.
Após
a independência, paulatinamente foi crescendo a migração de portugueses pobres
para o Brasil, passando a dominar a fonte de saídas a partir do final do século
XIX e no século XX. Esses imigrantes portugueses vinham para substituir os
ex-escravos nos seus antigos ofícios, sobretudo após 1850, quando o tráfico de
escravos foi abolido no Brasil.
Imigração após a
Independência
A
imigração portuguesa para o Brasil, depois da independência, é frequentemente
ignorada pela historiografia. Até 1992, não havia sido publicado nenhum
trabalho sobre a imigração lusa ocorrida entre 1822 e meados do século XIX.
Porém, os portugueses continuaram a ir para o Brasil por um longo tempo após a
independência. Vários estudos são publicados sobre os imigrantes italianos,
alemães ou japoneses, mas os portugueses são um grupo mais ignorado.
Após
a independência do Brasil do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves, em 1822,
e a consequente proclamação do Império do Brasil, os portugueses residentes no
novo país foram considerados brasileiros originários, ou seja, não teriam que
se naturalizar, já que nunca haviam sido estrangeiros no Brasil. Esse
dispositivo constou da constituição do Império do Brasil de
1824, mas havia sido proposto e aceito pela Assembleia Constituinte
de 1823, antes de sua dissolução pelo imperador Dom Pedro
I.
Mesmo
durante as crises de antilusitanismo que ocorreram em diversos momentos e
regiões do país após a Independência, os portugueses nunca deixaram de aportar
no Brasil como imigrantes. Com o fim do tráfico de escravos em 1850,
acentuou-se a carência de mão-de-obra, principalmente na região centro-sul
(províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), onde se verificava a
expansão das plantações de café. O governo brasileiro começou um processo de substituição
da mão-de-obra escrava pelo trabalho assalariado deimigrantes europeus.
Há
poucos documentos referentes à imigração portuguesa para o Brasil entre 1822 e
1850, o que levou muitos historiadores a ignorar esse período menos documentado,
o que não quer dizer que não houve um substancial deslocamento de lusos no
período posterior à independência. Apesar da inconsistência dos dados, uma vez
que, nessa época, muitos imigrantes chegavam e não eram registrados, pode ser
calculado que 26.785 portugueses entraram no Rio de Janeiro entre 1826 e 1850.
O representante do governo português no Rio, Idelfonso Leopoldo Bayard, afirmou
que a demanda por trabalhadores portugueses era tão grande que qualquer
imigrante encontrava emprego em menos de oito dias após a chegada. Muitos dos
que chegavam não portavam passaporte, normalmente pessoas sem recurso que
viajavam com algum tipo de subsídio de capitães de navio, que lucravam com o
transporte de imigrantes. Estes eram aliciados como trabalhadores endividados,
uma vez que qualquer um que pudesse pagar o valor da passagem adquiria esse
trabalhador, que lhe ficava devendo até que conseguisse saldar a dívida. O
representante da Legação Portuguesa no Rio de Janeiro anotou que "em todos
os navios provenientes do Porto e dos Açores se exportam para aqui duzentas e
mais pessoas tanto dum como d'outro sexo com as quais se trafica a sua chegada
como se fossem africanos". Era a denominada "escravidão branca",
denunciada na época devido às condições péssimas a que eram submetidos esses
imigrantes.
Aliciados
principalmente nas Ilhas dos Açores, esses trabalhadores agrícolas eram
mandados para fazendas de café para trabalhar sob o sistema de parceria. Esse
sistema foi usado no interior da província de São Paulo, onde colonos suíços e
alemães já estavam engajados como trabalhadores. Porém, em 1857, uma rebelião
contra a exploração nas fazendas, ocorrida em Ibicaba, liderada pelo imigrante
suíço-alemão Thomas Davatz, repercutiu na Europa Central,
o que estimulou a adoção de medidas restritivas dos Estados Alemães e da França
contra a vinda de mais imigrantes para o Brasil. O governo português, porém,
era frequentemente acusado de tratar com "indiferença" as notícias e
reclamações de exploração de cidadãos portugueses em fazendas de café. Os
açorianos não foram escravizados no Brasil, mas o convívio de assalariados com
escravos tornou inevitável a associação entre escravidão e as precárias
condições a que eram submetidos esses imigrantes.
A
imigração portuguesa para o Brasil, na primeira metade do século XIX, foi
bastante reduzida, quando comparada àquela ocorrida no século anterior, devido
à expansão da economia mineradora, e à imigração em massa que aconteceria após
1850. Porém, foi notável a presença de jovens caixeiros, filhos segundos ou
terceiros de lavradores mais abastados do Minho, que eram mandados para a Bahia
ou para o Rio de Janeiro, empregando-se em casas comerciais de compatriotas,
que controlavam o comércio brasileiro. Esses caixeiros portugueses, que
dificilmente se assemelhavam ao elemento colonizador de outrora, acabaram
sofrendo com o discurso antilusitano que viria a crescer após a independência.
Segunda metade do
século XIX
Em
meados do século XIX, houve um crescimento demográfico em Portugal e um número
cada vez maior de camponeses não encontrava trabalho. Ao mesmo tempo, os mitos
de fortuna fácil no Brasil, resquícios do período colonial, ainda persistiam
nas regiões agrárias de Portugal, fatores que estimularam uma crescente imigração.
Nas décadas de 1830 e 1840, a classe política em ascensão, composta por
proprietários de fazendas de café, não estimularam a imigração. Pelo contrário,
o Império brasileiro ainda apostou no trabalho escravo nas décadas seguintes.
Em consequência, a entrada de escravos africanos no Brasil atingiu seu ápice,
com médias anuais entre 40 e 50 mil indivíduos. Até o começo da década de 1840,
a vinda de imigrantes para o Brasil se limitou a iniciativas pontuais de
introdução de colonos nas províncias do Sul, onde os portugueses foram
excluídos; ao desembarque de agricultores contratados para trabalharem nas
fazendas de café em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro e à imigração
espontânea de estrangeiros para cidades portuários, onde os portugueses formavam
o grupo estrangeiro mais numeroso.
A Lei de Terras,
de 1850, teve grande influência nas características que iria assumir a
imigração portuguesa no Brasil. Essa lei determinou que a única forma de acesso
à terra seria por meio da compra e não da simples posse, como ocorria desde os
tempos coloniais. A consequência imediata foi que os imigrantes recém-chegados
passaram a ter grande dificuldade quanto ao acesso à propriedade rural. A Lei
de Terras constituiu um grande obstáculo ao desenvolvimento da pequena
propriedade agrícola no Brasil do século XIX, impedindo a democratização do
solo. A lei, portanto, favoreceu a persistência do sistema do latifúndio,
ao invés da pequena propriedade. Em 1850, o tráfico de escravos também foi
abolido no Brasil, o que diminuiu drasticamente as ofertas de mão de obra nas
lavouras de café. Ao mesmo tempo, a imigração europeia estava estagnada, pois o
Brasil tinha dificuldades em atrair imigrantes, uma vez que as péssimas
condições que encontravam os estrangeiros no país repercutiam nos portos de
origem, desestimulando novas migrações. Em 1855, numa sessão de abertura do
Parlamento do Império, o imperador D. Pedro II chegou a dizer que o futuro do
Brasil dependia "essencialmente da colonização estrangeira". Porém, três
anos depois, o imperador admitia que "a colonização tem sofrido
tropeços". Nos portos da Europa assistia-se à partida em massa de europeus
para os Estados Unidos, país que facilitava o acesso à
terra por parte dos estrangeiros, enquanto a imigração para o Brasil minguava,
sendo que os portugueses eram os únicos imigrantes que chegavam em quantidades
apreciáveis.
A
Lei de Terras foi um marco, uma vez que empurrou o fluxo migratório português
em direção às cidades brasileiras. Mesmo aqueles camponeses que chegavam com o
intuito de se tornarem agricultores, logo após o desembarque desistiam e
partiam para as vilas e centros urbanos. Apesar disso, o engajamento de
açorianos e portugueses do continente para trabalharem nas plantações de café
continuou. O sistema de parceria se arruinou, sobretudo após a rebelião dos colonos
suíços e alemães na década de 1850. Ele foi substituído pelo enganchamento, no
qual o imigrante se comprometia a trabalhar para o fazendeiro por um período de
tempo, em média de um a dois anos, em troca do valor da passagem de navio paga
por ele. Depois, estava livre para trabalhar no que quisesse. Esse sistema,
embora mais vantajoso que a parceria, também recebia reclamações de equiparação
ao elemento servil.
O
enganchamento, originalmente usado na lavoura cafeeira, foi exportado para as
ocupações citadinas e se expandiu na fase de declínio da escravatura. Assim, os
portugueses passaram a exercer serviços subalternos ou domésticos, antes exercidos
pelos escravos de ganho, embora também houvesse portugueses em posições de
destaque e prestígio, sendo muito diversas suas áreas de atuação. A partir da
década de 1870, se verifica uma crescente presença portuguesa além da histórica
imigração para o Rio de Janeiro. Núcleos portugueses passaram a se formar em
pequenas localidades no Oeste de São Paulo e no Sul de Minas Gerais, em cidades
e vilarejos que cresciam com a expansão da economia do café, assim como nos
centros urbanos no Norte, onde havia uma importante comunidade de comerciantes
lusos. No Sul do Brasil, que assistia à expansão de colônias agrícolas a partir
dos anos 1870, os portugueses não se fizeram presentes, pois os núcleos
coloniais quase sempre eram destinados a alemães, italianos e a outros
europeus.
A
imigração portuguesa para o Brasil cresceu no fim do Império e ganhou fôlego
com a Abolição da Escravatura (1888). Neste ano entraram no Brasil 132 mil
estrangeiros, na maioria italianos, e foi o marco inicial do período que
grandes levas de imigrantes desembarcaram nos portos brasileiros. A média anual
de entradas de portugueses ficou em 20 mil indivíduos até 1898. O crescente
fluxo migratório português foi um reflexo da instabilidade política e econômica
em Portugal. O destino principal continuou a ser o Rio de Janeiro, seguido por
São Paulo, que enriquecia devido à produção cafeeira. Minas Gerais, que também
enriquecia com o café e Pará e Amazonas, que estavam no auge da exploração da
borracha, apareciam como destinos secundários, mas importantes.
Entre
1888 e 1898 entraram no Brasil quase 1,4 milhão de imigrantes, sendo os
italianos os mais numerosos, com quase 800 mil indivíduos, ou 59,6% do total.
Em seguida, apareciam os portugueses, com quase 242 mil indivíduos, ou 18%. Com
a entrada do século XX, os portugueses passaram os italianos e se tornaram,
novamente, o grupo imigrante que mais desembarcou no Brasil.
Primeira metade do século XX
No
começo do século XX, o Brasil continuou a receber grandes levas de imigrantes,
com destaque para três grupos: portugueses, italianos e espanhóis. A imigração
italiana, porém, sofreu uma grande queda, o que abriu espaço para os
portugueses. De fato, do início do século até a eclosão da I Guerra Mundial,
a imigração portuguesa no Brasil alcançou seu ápice histórico. Nunca antes em
quatrocentos anos de História chegaram tantos portugueses ao Brasil. Entre 1904
e 1915 entraram no Brasil 427.725 imigrantes portugueses, sendo que 200 mil
entraram somente nos três anos antecedentes ao início da guerra. A
superprodução do café em 1906 forçou o governo brasileiro a comprar as safras
excedentes e a queimá-las, o que provocou a queda no valor do produto e a uma
crise. Isso empurrou de novo a imigração portuguesa para os centros urbanos,
reforçando a sua presença citadina.
Após
a I Guerra Mundial, iniciou-se um novo período de forte atração imigratória,
com picos entre 1926 e 1929, quando foram registradas entradas médias anuais de
38 mil portugueses no Brasil. Entre 1919 e 1930 entraram no Brasil 337.723
portugueses, 35,7% dos imigrantes, bem a frente do segundo lugar, os italianos,
com 116.211 imigrantes, ou 12,3%. A partir de 1930, o governo brasileiro passou
a dar preferência ao trabalhador nacional e iniciou diversas medidas para
diminuir o fluxo migratório. O governo de Getúlio Vargas era
marcadamente nacionalista. Em 12 de dezembro de 1930, um mês após assumir o
governo, Vargas suspendeu por um ano a concessão de vistos para passageiros de
terceira classe no Brasil, sendo que quase todos os imigrantes eram passageiros
dessa classe. A posterior lei de cotas foi a medida mais dura para o controle
de imigrantes.
Características
A
partir da metade do século XIX, a imigração portuguesa no Brasil tomou caráter
quase que exclusivamente urbano. O perfil do imigrante português também se
alterou: antes, a maioria era composta por homens solteiros. A partir do final
do século XIX, as mulheres portuguesas também chegaram ao Brasil em número
expressivo. As crianças menores de 14 anos eram 20% dos imigrantes. A situação
econômica também se alterou. Na época colonial, alguns portugueses ricos e até
nobres migraram ao Brasil (embora a maioria fosse de camponeses desprovidos de
recursos). No final do século XIX, os que chegaram eram extremamente pobres e
sem escolaridade, vindos de aldeias do interior de Portugal.
Após
a independência, os estados do Rio de Janeiro (sobretudo a capital) e de São
Paulo (sobretudo o interior, mas também a capital) receberam a maioria dos
imigrantes portugueses que foram para o Brasil. Isto porque eram as regiões de
economia mais dinâmica do País, concentrando as ofertas de trabalho. Mas a
imigração para esses dois estados teve características particulares. Para o
Rio, foi direcionada uma imigração portuguesa espontânea, predominantemente
masculina, concentrada na capital do estado. Ali, os portugueses disputavam as
vagas de trabalho lado a lado com negros e pardos, ou seja, se
inseriam no mercado de trabalho de forma similar aos brasileiros, recebendo
salários aviltados e se submetendo a longas jornadas de trabalho. Para o estado
de São Paulo, por outro lado, foi direcionada uma imigração portuguesa
parcialmente subsidiada pelo governo e mais familiar (com expressiva
participação feminina).
Uma
expressiva parcela dessa população era oriunda de regiões interioranas do norte
de Portugal, notadamente entre Beira Alta e Alto Trás-os-Montes e eram, em sua
maioria, extremamente pobres, majoritariamente homens sozinhos, embora grupos
familiares com grande número de mulheres e crianças não
fossem raros. Ao chegarem ao Brasil, procuravam parentes ou se instalavam em
pequenos cortiços. A maior parte desses imigrantes se dedicou ao
comércio: pequenas vendas e padarias, chegando ao ponto de dominarem essas duas atividades
em várias regiões do Brasil. Outros, tornaram-se operários nas nascentes
indústrias brasileiras.
Passaporte de um imigrante
português de 1927
No Rio de Janeiro
A
imigração portuguesa após a independência teve como destino especial a cidade
do Rio de Janeiro. O censo brasileiro de 1920 mostrou que, dos 433.577
portugueses residentes no Brasil, 172.338 residiam nessa cidade, 39,74% do
total. Incluindo todo o estado do Rio de Janeiro, essa taxa subia para 46,3%
dos lusitanos que viviam no Brasil. A presença numérica portuguesa era
altíssima, uma vez que constituíam 72% de todos os estrangeiros residentes na
capital. As pesquisas censitárias mais antigas também já atestavam a forte
presença portuguesa na região. No ano de 1890, imigrantes portugueses compunham
20,36% da população da cidade do Rio de Janeiro (106.461 pessoas). Brasileiros
filhos de pai ou mãe portugueses compunham 30,84% da população carioca (161.203
pessoas). Ou seja, portugueses natos ou seus filhos perfaziam, naquele ano,
51,2% dos habitantes do Rio, um total de 267 664 pessoas.
Os
imigrantes portugueses figuravam no estrato mais baixo da sociedade do
Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, ao lado de negros e mulatos. Os
portugueses e os negros habitavam o mesmo espaço geográfico, frequentemente
dividindo o mesmo cortiço e compartilhavam da vivência na cidade. Havia
uma proximidade social, econômica e até cultural entre os dois grupos. O
processo de abolição da escravatura no Brasil e a consequente falta de
mão-de-obra compeliu o governo da época a estimular a vinda de imigrantes
europeus, que frequentemente enfrentavam, no Brasil, situação semelhante de
degradação social como aquela enfrentada pelos escravos. No caso da imigração
portuguesa para o Rio de Janeiro, ela se intensificou quando o tráfico negreiro
ainda estava em pleno funcionamento. Tratava-se, sobretudo, de uma imigração de
jovens açorianos com idade entre 13 e 17 anos (a mesma média de idade dos
escravos trazidos da África). Na época, havia denúncias de que os navios
negreiros também eram usados para trazer esses jovens portugueses para o
Brasil, que eram chamados de engajados. Os jovens assinavam um
contrato com o capitão do navio no qual, em troca da passagem de navio, se
comprometiam a trabalhar para algum senhor no Brasil. O capitão do navio vendia
o passe desses portugueses para o senhor, no valor da passagem e, ao pagar, o
último adquiria esse trabalhador. Os engajados tinham que pagar a soma do valor
da passagem através de trabalho gratuito, cujo tempo era estipulado pelo
próprio senhor, muitas vezes chegando a três ou cinco anos. Os imigrantes que
se evadissem das terras antes do término do contrato eram tidos como
"fugidos". Todas essas características aproximavam os imigrantes
portugueses da condição social dos escravos no Brasil.
As
péssimas condições a que eram submetidos esses imigrantes portugueses no Brasil
se refletiam nas estatísticas. Entre 1850 e 1872, a maioria dos adolescentes
portugueses que desembarcavam no Rio de Janeiro morriam três anos após a
chegada ao Brasil, vítimas de febre amarela,
das más condições de moradia e das jornadas exaustivas de trabalho. Era a
denominada "escravidão branca", denunciada pela imprensa da época.43 A
maioria dos imigrantes portugueses na cidade eram adolescentes e jovens do sexo
masculino, analfabetos, oriundos de zonas rurais de Portugal,
completamente despreparados para enfrentar a vida numa metrópole do porte do
Rio de Janeiro. Os portugueses habitavam as zonas mais precárias da cidade,
tanto que no censo realizado em 1856,
51,9% dos moradores de cortiços da Corte eram de nacionalidade portuguesa. Os
portugueses competiam com a população negra pelo mercado de trabalho. De fato,
estavam inseridos num processo de substituição da mão-de-obra escrava, em um
momento em que ela se tornava cada vez mais escassa e cara. Quintandeiro,
condutor de bonde, carregador, vendedor de doces, ocupações estas antes
associadas ao trabalho escravo, passaram a ser exercidas pelos portugueses na
virada do século XIX. Em um ambiente de pobreza e despreparo, os portugueses
despontavam como a nacionalidade que mais praticava crimes na cidade do
Rio de Janeiro, superando inclusive os próprios brasileiros no período de 1859
a 1864, com destaque para os roubos, assaltos, arrombamentos etc.43Já
entre 1915 e 1918, 32% dos homens condenados por crimes na cidade eram
portugueses, número alto, haja vista que somente 15% da população do Rio era
portuguesa. Todavia, a inserção de imigrantes europeus no mundo do crime no
Brasil não era fato exclusivo dos portugueses. Em São Paulo, no mesmo período,
os italianos eram a nacionalidade que mais praticava crimes.
No
Rio de Janeiro, o imigrante português não distoava do resto da população, do
ponto de vista educacional, social ou econômico. Em 1906, 48% dos habitantes do
Rio eram analfabetos, e 44,3% dos imigrantes portugueses também o eram. Deu-se,
portanto, rapidamente a assimilação do elemento luso no Rio de Janeiro, sobretudo
dentro das camadas mais humildes da sociedade. Embora mantivessem sentimento de
solidariedade, por meio da criação de associações portuguesas, isso nunca
obstou o processo de assimilação dos portugueses no ambiente social brasileiro. Tampouco
os sentimentos de antilusitanismo e xenofobia que
às vezes emergiam contra os portugueses no Brasil, por meio de estereótipos
negativos que lhes eram imputados.
Porém,
não era só na pobreza que viviam os imigrantes portugueses no Brasil. Havia uma
antiga e bem-sucedida comunidade de trabalhadores especializados oriundos de
Portugal, que se dedicavam especialmente ao comércio.
Estes imigrantes passaram a dominar o comércio retalhista de todas as grandes
cidades brasileiras. Assim, uma pesquisa sobre estabelecimentos comerciais no
Brasil em 1856-1857 mostrou que os brasileiros eram proprietários de apenas 44%
dos estabelecimentos, e os portugueses de 35%.
Apesar
de todos os problemas sócio-econômicos enfrentados pelos imigrantes, o Brasil
continuava a ser a terra de destino preferencial dos portugueses mesmo após a
independência. Embora existissem destinos imigratórios mais tentadores, como os Estados Unidos e
a Argentina,
que ofereciam melhores salários e melhores condições de trabalho do que o
Brasil, foi para este último que o fluxo migratório lusitano se concentrou. Por
falarem a mesma língua, pelos laços históricos e por oferecer salários mais
elevados e melhores perspectivas econômicas do que Portugal, além de já haver
uma comunidade comercial lusa bem estabelecida. Assim, dos 1.306.501
portugueses que emigraram entre 1855 e 1914, 78% eram originários do
continente. Deste total, 82% foram para o Brasil, 2% para a Argentina e 15%
para os Estados Unidos. O ápice se deu entre 1891 e 1911, quando o Brasil
atraiu 93% dos portugueses que emigraram. Para concorrer com a Argentina e
os Estados Unidos, o Brasil inovava ao oferecer o pagamento da passagem de
navio dos europeus. Embora os portugueses também se beneficiassem dessa
imigração subsidiada pelo governo brasileiro, a maioria dos portugueses
imigravam para o Brasil por conta própria, sem esse auxílio governamental, ao
contrário dos italianos, por exemplo. O Brasil foi o principal destino da
emigração portuguesa até a década de 1960,
quando outros países europeus, em especial a França,
passaram a ser destinos preferenciais.
“O
português pobre, ao desembarcar nos portos brasileiros, veste polaina de
saragoça, (…) e calção, colete de baetão encarnado com seus corações e meia
(…) geralmente desembarca dos navios com um pau às costas, duas réstias de
cebolas, e outras tantas de alhos… e … uma trouxinha de pano de linho debaixo
do braço. Eram minhotos que, para sobreviver, dormiam na rua e procuravam
ajuda de instituições de caridade. ”
|
— Raimundo da Cunha
Mattos, escritor.1820
|
Em São Paulo
Até
as últimas décadas do século XIX, a maioria dos imigrantes que se dirigiam para
a província de São Paulo eram portugueses. Com a lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico negreiro para o Brasil, os
fazendeiros passam a procurar uma alternativa ao trabalho escravo, mesmo que ainda de modo
tímido. Em 1855, segundo José Joaquim Machado de Oliveira, encarregado de obter
as estatísticas da província na época, havia pelo menos 625
colonos portugueses espalhados por 15 das 31 colônias de estrangeiros
existentes nas fazendas paulistas do período. Nestas colônias de parceria, a
maioria vivia ao lado de outros colonos (alemães, suíços etc.),
porém havia algumas exclusivamente compostas por portugueses: Em Campinas,
a Colônia dos Dores, com 37, e a da fazenda de Antonio Rodrigues Barboza, com
22; Em Taubaté,
as colônias Independência e Paraizo, contando juntas 204 colonos; EmAraraquara,
a colônia de Pouso Alegre do José, com 44 pessoas; e, por fim, em Rio Claro, a colônia da fazenda de Domingos
José da Costa Alves, com 54.
No
Censo de 1872, foram contados 6.399 portugueses na província de São Paulo, 21,6% do total
(incluindo africanos livres e escravos). Contabilizando apenas os
imigrantes que vieram ao país por livre vontade, este número subia para 44,6%
do total. Os municípios com maior quantidade de portugueses eram São Paulo (999), Campinas (770), Bananal (683), Mogi Mirim (340), Limeira (323),Rio Claro (256), Guaratinguetá (186), Itapetininga (182), Sorocaba (170)
e Amparo (163). Outros municípios com
mais de uma centena de portugueses incluemParaibuna, Jundiaí, Cruzeiro, Queluz, São Roque e Taubaté.
Prédio da Casa de Portugal, associação de imigrantes
portugueses da cidade de São Paulo.
Em
1886, a Comissão Central de Estatística recenseou a população da província.
Entretanto, a parte do censo contendo o número de imigrantes se acha parcial,
pois vários municípios importantes, como Campinas, Sorocaba e Itu, não preencheram as
fichas sobre este tema ou o fizeram de modo insatisfatório. Mesmo assim,
percebe-se, pelos municípios que entregaram seus dados, que a imigração
portuguesa vinha aumentando, ao se comparar com o censo de 1872: o número
destes imigrantes havia aumentado para pelo menos 10.046 indivíduos. Dos
municípios que preencheram as fichas sobre a imigração, as maiores
concentrações de portugueses estavam em São Paulo (3.502), Espírito Santo do Pinhal (475), São Carlos (464), Piracicaba (364), Guaratinguetá (331), Limeira (330)
e Amparo (300). Municípios acima de 200
portugueses incluíam Areias, Araras, Descalvado, Botucatu e São Simão. Com pelo menos uma centena deles,
ainda havia Pirassununga, Ribeirão Preto, Pindamonhangaba, Santana de Parnaíba, Itatiba, Caconde, Batatais e Taubaté.
Das
últimas décadas do século XIX até 1900, os portugueses representaram somente
10% das entradas de imigrantes no estado de São Paulo. Após o Decreto Prinetti de
1902, a imigração italiana caiu drasticamente, enquanto que a portuguesa
cresceu enormemente, sobretudo entre 1910 e 1914. Ao contrário do Rio de
Janeiro, para onde se dirigiu uma imigração maciçamente masculina, em São Paulo
havia grande número de mulheres portuguesas, chegando as mulheres lusas a
compor 40% da imigração total na segunda década do século XX. Os portugueses
preferiam se dirigir para os centros urbanos, com destaque para as cidades de
São Paulo e de Santos. Ali, exerciam atividades comerciais e artesanais, além
de trabalhos assalariados na indústria e em obras públicas. Em 1920,
havia, de acordo com o censo realizado no mesmo ano, 167.198 portugueses no
estado de São Paulo, não contando os naturalizados brasileiros. Os
municípios com as maiores quantidades destes imigrantes eram a Capital (64.687), Santos (21.040), Campinas (4.267), São José do Rio Preto (3.507), Araraquara (2.915), Ribeirão Preto (2.706), Barretos(2.091)
e Jaboticabal (2.020).
No Norte do Brasil
Os
estados do Norte do Brasil, como o Amazonas e, sobretudo, o Pará, também foram
destinos visados pelos imigrantes portugueses a partir da segunda metade do
século XIX. Em 1920, viviam nesses dois estados quase 22 mil portugueses. Nesse
ano, residiam no Pará 14.211 lusos, colocando esse estado atrás somente do Rio
de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais em número de habitantes portugueses. Os
portugueses que moravam na região amazônica se concentravam nos centros
urbanos, sobretudo em Belém,
onde a comunidade portuguesa já era antiga. No censo de 1872, os estrangeiros
representavam 12% da população de Belém, sendo 80% deles portugueses. No
recenseamento de 1920, os imigrantes compunham 7,5% da população da capital
paraense, sendo que 68% eram de Portugal. Entre 1908 e 1920, dos casamentos
registrados nas paróquias de Belém, em quase 20% deles pelo menos um dos
cônjuges era português, o que mostra como era significativa a presença lusitana
naquele momento. Como a imigração portuguesa era predominantemente masculina,
havendo pouca presença feminina, o processo de miscigenação aconteceu muito
rápido, embora houvesse maior exogamia entre
os homens e endogamia entre as mulheres. Assim, mais da metade dos
homens lusos se casaram com mulheres paraenses, enquanto que 80% das lusas se
casaram com conterrâneos. Porém, não se pode concluir que, caso houvesse maior
número de mulheres portuguesas, os casamentos mononacionais iriam predominar,
pois contrair casamento com as mulheres locais poderia ser vantajoso,
principalmente para os imigrantes recém-chegados, sobretudo comerciantes.
Os
portugueses em Belém se dedicavam sobretudo às atividades comerciais (68%),
embora se tratasse de uma categoria muito genérica, que podia incluir
comerciantes, empregados e auxiliares no comércio, negociantes, ambulantes,
caixeiros etc.
O mineiro e o brasileiro
Nos
séculos XVIII e XIX, o Brasil exerceu verdadeiro fascínio sobre os portugueses.
O Brasil tinha a imagem de ser o "eldorado",
a terra onde era fácil uma pessoa enriquecer. Grande parte dessa ideia se deve
à ação dos mineiros e dos brasileiros em
Portugal. O mineiro, no século XVIII, era o português que emigrava
para as regiões mineradores de Minas Gerais,
fazia fortuna e depois voltava rico para Portugal. O brasileiro de
torna-viagem ou, simplesmente, brasileiro, por sua vez,
era o português que emigrava para o Brasil no século XIX e voltava enriquecido. As
figuras do mineiro e depois do brasileiro faziam
parte do imaginário português e foram amplamente retratados na literatura do País. A emigração em massa de
portugueses que se deu, no século XVIII, para as regiões mineradoras da colônia e,
mais tarde, na virada do século XIX para o XX, em direção ao Rio de Janeiro e a
São Paulo se deve, em larga escala, a esse fascínio que os ex-emigrantes
criavam na população.
A
maioria dos brasileiros não eram pobres antes de emigrar para
o Brasil. Os portugueses que emigraram para o Brasil até as últimas décadas do
século XIX não estavam entre os indivíduos das camadas mais pobres da população
portuguesa. Emigrar para o Brasil exigia despender uma grande quantia de
dinheiro, compassaporte, passagem de navio e fiança militar. Portanto,
tratava-se de uma migração mais "seletiva", de indivíduos
provenientes de famílias que tinham recursos para financiar uma viagem daquele
porte. Esses imigrantes mais privilegiados é que tinham melhores condições de
fazer fortuna no Brasil e eram sobretudo estes que regressavam ricos para
Portugal, aguçando o imaginário popular. Muitas vezes gostavam de mostrar sua
riqueza, exibindo sua opulência pelas ruas das cidades. Construíam grandes
casas, algumas ainda podem ser vistas atualmente no Norte de Portugal, muitas
vezes com tom de verde e amarelo, as cores do Brasil. Porém, a partir das últimas
décadas do século XIX e no início do século XX, o perfil do imigrante português
mudou completamente. Os pobres passaram a emigrar em massa para o Brasil, sem
preparo e instrução, muitas vezes beneficiados por uma imigração subsidiada
pelo governo brasileiro. Estes imigrantes chegavam pobres e, quase sempre,
permaneciam pobres, engrossando a população de miseráveis no Brasil e
procurando ajuda de instituições de caridade para sobreviver.
Não
é exagero dizer que grande parte das transformações econômicas que teve
Portugal no final do século XIX e início do século XX se devem graças à contribuição
econômica desses "novos ricos" retornados do Brasil. Além de
admiração, os brasileiros também causavam sentimentos de
repulsa, pois alguns o acusavam de voltarem ricos, mas de continuarem
ignorantes.
A
imagem que os brasileiros causavam na população portuguesa
servia para mascarar a realidade que a maioria dos imigrantes portugueses
enfrentavam no Brasil. Desde o século XVIII, era comum que os pais portugueses
enviassem algum de seus filhos para o Brasil com o objetivo de fazer fortuna e
voltar para Portugal, estimulados pela presença dos ex-emigrantes que voltavam
ricos. Porém, apenas aqueles imigrantes que haviam conseguido se enriquecer faziam
questão de destacar a sua vitória e esbanjar a sua opulência. Os imigrantes que
haviam fracassado, por sua vez, tratavam de esconder o seu insucesso. Envergonhados
de retornarem pobres, deixavam-se ficar no Brasil e muitas vezes nunca mais
voltavam para Portugal. Portanto, no imaginário coletivo português, permaneceu
apenas a imagem do imigrante vitorioso, enquanto que o imigrante
"perdedor" era ignorado. Isso explica o fato de que, embora muitos
imigrantes portugueses no Brasil vivessem na pobreza, a imagem de que o Brasil
era o eldorado ainda vigorou por muito tempo no imaginário dos portugueses por
meio da ação dos brasileiros de torna-viagem.
Privilégios,
lusofobia e estereótipos
Imigrante português no Rio de
Janeiro.
A
imigração portuguesa para o Brasil após a independência apresentou uma
dualidade. Ao mesmo tempo que a lei brasileira concedia privilégios jurídicos e
políticos aos portugueses, eles também enfrentaram violentas perseguições e
agressividade por parte dos brasileiros. Na Assembleia Constituinte de
1823, os portugueses residentes no Brasil não foram considerados estrangeiros,
desde que concordassem com a independência. Na Era Vargas,
o privilégio concedido aos portugueses se evidenciou. A Constituição de 1934
limitou a entrada de estrangeiros de todas as nacionalidades no Brasil, mas em
1938 essa lei foi suspensa apenas para os portugueses. Durante a II Guerra
Mundial, o então presidenteGetúlio Vargas ordenou
que as embaixadas brasileiras na Europa não
concedem visto para os judeus, ao mesmo tempo que ele incentivava a entrada livre de
portugueses no Brasil, para "garantir o fortalecimento étnico da
nação".68 Após
a Guerra, o antropólogo Gilberto Freyre e
um grupo de deputados defenderam que os portugueses não deveriam ser
considerados estrangeiros no Brasil. Ainda hoje, os portugueses têm tratamento
especial dado pela legislação brasileira. A (atual) Constituição Brasileira de 1988, em seu
artigo 12, parágrafo 1º, reza que "Aos portugueses com residência
permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, serão
atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
Constituição"69 .
Este dispositivo que dá privilégios a uma nacionalidade estrangeira é fato raro
no mundo. Por exemplo, na legislação da Argentina não
existe nenhum dispositivo que dê tratamento diferenciado aosespanhóis,
tampouco a lei dos Estados Unidos beneficia os ingleses.
Na América do Sul, apenas na Venezuela há
algo semelhante.
Todavia,
o tratamento privilegiado que a legislação brasileira deu e ainda dá aos
portugueses não necessariamente se refletia no tratamento que os imigrantes
receberam do povo brasileiro. A lusofobia e
o antilusitanismo estiveram presentes no Brasil, mesmo após a independência. Em
alguns momentos esses sentimentos explodiram e desencadearam em verdadeira
violência. Após a independência, os imigrantes portugueses passaram a ser
vistos como representantes da dominação colonial. "Os portugueses eram
identificados como colonizadores, exploradores, que abusavam dos preços e
estavam ligados ao ódio racial".
Em
1819, às vésperas da independência, havia poucos portugueses no Brasil. Os
nascidos em Portugal perfaziam, no máximo, 40 mil pessoas, menos de 1% da
população do Brasil, concentrados no Rio de Janeiro e noutras cidades
portuárias. Apesar da sua pequena presença, os portugueses figuravam em
posições importantes e tinham preponderância no grande comércio e nos setores
administrativos do Estado. Com o processo de independência, o antilusitanismo
foi crescendo em várias partes do Brasil e as agressões a portugueses começaram
a se alastrar. Em carta de 1822, endereçada a José Bonifácio, Felisberto Gomes Caldeira
relatava "o estado de confusão em que se achavam algumas províncias do
Norte, onde crescera o ódio contra os portugueses, sendo raro o dia em que
algum não era assasinado ou roubado, e não escapando mesmo os brasileiros
simpáticos a Portugal". No período que se seguiu à independência, vários
conflitos envolvendo brasileiros em oposição a portugueses foram registrados.
Os comerciantes portugueses configuraram o alvo preferido dessas agressões.
Estes eram frequentemente acusados de serem responsáveis pelas faltas de
gêneros, pelas subidas dos preços, além de serem hostilizados por só
contratarem caixeiros vindos diretamente de Portugal, supostamente tirando o
emprego dos brasileiros. No Maranhão,
a Balaiada (1838-39)
foi uma revolta dirigida sobretudo contra os comerciantes e proprietários
portugueses. Em Pernambuco, os lusos foram transformados em bode-expiatório
pela elite local, numa tentativa de canalizar contra os portugueses a forte
hostilidade popular que, caso contrário, poderia ser dirigida contra a elite
branca local, comprometendo a ordem social.
Porém,
foi na província do Mato Grosso que ocorreu o mais violento ataque generalizado
contra portugueses no Brasil. Em 30 de maio de 1834, em um episódio conhecido
como "A Rusga"
ou como "A Noite do Mata Bicudo", devido ao chapéu de abas
pontiagudas que alguns lusos utilizavam, dezenas de portugueses foram
assassinados em diversas cidades da província. A motivação do massacre foram
rumores de que Portugal estava preparando ataques navais ao Brasil e que
contaria com a ajuda dos portugueses que viviam na região. Embora fantasiosos,
esses rumores desencadearam uma onda de chacinas, com requintes de crueldade,
por parte de patriotas exaltados da região, que fizeram uma "verdadeira
caçada" aos portugueses, nas palavras do historiador Arthur César Ferreira
Reis. Não se sabe quantos portugueses foram massacrados nesse episódio, mas
estima-se em algumas dezenas. O discurso lusófobo esteve presente nos diversos
movimentos ocorridos após a independência, como na Cabanagem (1835-1837),
na Sabinada (1837-1838)
e na Revolução Praieira (1848). No Rio de
Janeiro, ataques a portugueses aconteciam com certa frequência no início do
século XX. Ataques contra portugueses continuaram a ser registrados no Brasil
até o fim da década de 1920.
No
período colonial, houve conflitos em que os interesses de "reinós" e
"filhos da terra" emergiram. Esses numerosos atritos, que opuseram os
habitantes do Brasil à coroa portuguesa ou aos seus representantes não deram
origem a qualquer sentimento nacional ou à percepção de antagonismos que
opusessem portugueses a brasileiros. Não existia uma efetiva consciência
nacional, limitando-se a uma crítica social, como fizera Gregório de Matos. Com a independência,
todavia, em nome de uma afirmação da nacionalidade brasileira, a figura do
português assume outras características. A imagem estereotipada do imigrante
português no Brasil, a partir do século XIX, apresentou duas variáveis: a
primeira, do imigrante rico, sobretudo comerciante, que abusava dos preços e
explorava os brasileiros economicamente. A segunda era a figura do imigrante
pobre, que exercia ofícios urbanos antes destinados aos escravos, os quais o
brasileiro, "esperto" e "malandro", recusaria, o que era
visto como uma concorrência desleal no mercado de trabalho.
Com
a ruptura política com Portugal, foi necessário buscar antagonismos e
oposições, remarcando a brasilidade, abrindo espaço para, por exemplo,
tentativas nativistas de assumir uma identidade indígena. Foi assim que alguns
brasileiros adotaram nomes indígenas ou deram a seus filhos nomes não
portugueses. Mais tarde, o indigenismo romântico marcaria essa tentativa
artificial de mudança. O português passou a ser, em consequência, aquele contra
quem se afirmou a identidade do novo país. Primeiramente, os alvos foram os
portugueses ricos, comerciantes e banqueiros e os caixeiros que estes
empregavam. A partir do final do século XIX, com a imigração em massa de
portugueses pobres, analfabetos e desqualificados para os centros urbanos do
Brasil, estes passaram a ser mais visados e estereotipados.
Se
para a legislação brasileira os portugueses eram considerados praticamente como
sendo "brasileiros", eles eram vistos como "estrangeiros"
pelo povo brasileiro. Por muito tempo, os portugueses foram os únicos
imigrantes a chegar em número significativo ao Brasil, e ser estrangeiro era
quase que sinônimo de ser português. A lusofobia era fomentada, em grande
parte, pela posição de destaque que os lusitanos continuaram a ocupar no
Brasil, mesmo após a independência. Os portugueses concentravam-se nas
cidades e grandes centros urbanos, ao contrário de outros imigrantes que
tendiam a ficar no campo. Muitos portugueses eram proprietários de imóveis e
pensões e dominavam o comércio varejista no Brasil. Em consequência, tinham
contato direto com o público e eram vistos com desconfiança pela população.
Eram acusados de abusar dos preços, de cobrar aluguéis a preços exorbitantes,
de vender seus produtos a preço acima do valor de mercado, sempre suspeitos de
estarem pondo água no leite, areia no pão e práticas menos honestas. A
lusofobia no Brasil era um reflexo dessa suposta "exploração
econômica" que os imigrantes portugueses exerciam sobre os brasileiros.
Para muitos brasileiros, era inaceitável que os antigos colonizadores do Brasil
continuassem a dominar diversos setores da economia brasileira.
Ademais,
muitos portugueses tinham participação no movimento operário e no anarquismo sindical,
contribuindo para aumentar a intolerância. No final do século XIX, o
movimento republicano dos jacobinos ganhou força no Brasil e era fortemente marcado
pelo antilusitanismo, apontando a colonização portuguesa e a comunidade
portuguesa como sendo culpadas pelo atraso do Brasil. A imprensa brasileira,
principalmente do Rio de Janeiro, contribuía para difundir estereótipos
negativos sobre a comunidade portuguesa. O jornal O Jacobino, que
circulou no Rio no início do século XX, era abertamente lusófobo. Os
portugueses eram acusados de serem culpados por todas as mazelas do Brasil e
eram associados ao atraso da sociedade. O jornal instigava a agressão e a
expulsão dos portugueses do território brasileiro. As piadas sobre portugueses
e a fama de serem "ignorantes" cresceram durante a República Velha,
mas é provável que já existissem antes disso.68 A
imprensa brasileira do início do século XX contribuiu para criar diversos
estereótipos negativos sobre os portugueses, sendo que algumas dessas imagens
permanecem no imaginário brasileiro até hoje.70
Imigração de declínio (1960-2000)
A
partir década de 1930, não apenas a imigração
portuguesa no Brasil, mas todas de uma maneira geral caíram, e isso se deve ao
Brasil já não mais precisar de imigrantes para abraçarem a agricultura e as
fábricas, pois os nacionais já supriam a demanda. Nesta década, o presidente brasileiro Getúlio Vargas criou
uma lei que controlava a entrada de imigrantes no Brasil ("Lei de Cotas de
Imigração"), à qual apenas os portugueses não estavam sujeitos.71 As
várias décadas que durou o salazarismo contribuíram
para uma grande vinda de portugueses para o Brasil. Essa imigração durou até
meados da década de 1960.
Após
a II Guerra Mundial, os portugueses foram os
únicos que continuaram a chegar em grande número ao Brasil. Entre 1945 e 1959
ainda chegaram ao Brasil, cerca de 250 mil portugueses.
A imigração portuguesa em números
Imigração portuguesa para o Brasil (1500-1991)
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) |
||||||||
Décadas
|
Número de imigrantes
|
|||||||
1500-1700
|
100.000
|
|||||||
1701-1760
|
600.000
|
|||||||
1808-1817
|
24.000
|
|||||||
1827-1829
|
2.004
|
|||||||
1837-1841
|
629
|
|||||||
1856-1857
|
16.108
|
|||||||
1881-1900
|
316.204
|
|||||||
1901-1930
|
754.147
|
|||||||
1931-1950
|
148.699
|
|||||||
1951-1960
|
235.635
|
|||||||
1961-1967
|
54.767
|
|||||||
1981-1991
|
4.605
|
|||||||
TOTAL
|
2.256.798
|
A
imigração portuguesa para o Brasil começou a se tornar mais constante a partir
da década de 1870. De 1872 até o final do século XIX, entraram no Brasil quase
380 mil portugueses. A imigração, todavia, alcançou seu auge entre 1910 e 1914,
mas a I Guerra Mundial fez o número de entradas
cair, voltando a crescer a partir de 1920. Entre 1900 e 1939, entraram no
Brasil quase 920 mil portugueses. O período mais importante foi entre 1910 e
1919, quando, em apenas nove anos, desembarcaram nos portos brasileiros 318.481
portugueses.
O
censo de 1920 contabilizou a presença de 433.577 portugueses no Brasil, sendo
que 291.198 eram homens (67%) e 142.379 eram mulheres (33%). Essa
população ainda incorporou mais 318.481 portugueses que entraram na década de
1920. Assim, a população portuguesa no Brasil alcançou seu auge em 1929.
Segundo a historiadora Maria Silvia Bassanezi, nesse ano viviam no Brasil
646.282 portugueses, concentrados nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo,
mas com presença importante também em Minas Gerais e no Pará.
População portuguesa no Brasil em 1929
Estado
|
População portuguesa
|
281 418
|
|
20 050
|
|
303 861
|
|
3 679
|
|
1 998
|
|
5 289
|
|
325
|
|
15 631
|
|
587
|
|
556
|
|
334
|
|
144
|
|
1 900
|
|
8 376
|
|
89
|
|
260
|
|
72
|
|
1 572
|
|
137
|
|
Total
|
646 282
|
O
censo de 1940 mostrou que a comunidade portuguesa no Brasil era composta por
358.174 indivíduos. Em 1970, a comunidade cresceu novamente e tinha 437.983
pessoas. A partir de então, foi declinando progressivamente, baixando para
263.610 pessoas em 1991.
Novo fluxo
Com
o quadro crônico em Portugal decorrente das crises econômica de 2008 e da dívida pública da Zona do Euro,
o Brasil tornou-se novamente atrativo para portugueses desempregados. Em 2010,
o número oficial de portugueses no Brasil somou a 30 mil, mas estima-se que até
70 mil podem ter emigrado. No primeiro semestre de 2011, 50 mil iniciaram
trâmites para adquirir um visto de residência no Brasil.
Regiões de origem
dos imigrantes
Historicamente,
os portugueses que partiam para o Brasil eram majoritariamente oriundos da região norte de Portugal. No século XVI,
quase metade dos portugueses processados pela Inquisição em Pernambuco e
na Bahia eram
originários do Minho e 15% de Lisboa. Em 1801, em São Paulo, 45%
dos homens portugueses provinham do Minho, 20% dos Açores e 16% de Lisboa. Analisando
a origem dos comerciantes portugueses radicados em Minas Gerais no século XVIII,
a historiadora Júnia Furtado constatou que 74,4% eram oriundos do Norte
português. Iraci del Nero, ao levantar dados sobre a população portuguesa
radicada em Vila Rica (atual Ouro Preto),
constatou que 68,1% provinha do Norte de Portugal. Analisando a população
inventariada em Minas entre 1750 e 1779, Carla Almeida descobriu que 89% dos
homens portugueses eram naturais das províncias do norte e 11% provenientes da
região central do país e nenhum do sul. Além dos nortenhos, um fluxo notável de
colonos provinham das ilhas atlânticas da Madeira e
dos Açores.
A Região Norte de Portugal, de
onde veio a maioria dos colonos e imigrantes portugueses para o Brasil.
Mais
de um século e meio depois, no início do século XX, a imigração portuguesa para
o Brasil continuava predominantemente oriunda doNorte português e adjacências,
nomeadamente Trás-os-Montes, Minho, Douro Litoral, Beira Alta, Beira Litoral e Estremadura,
com oscilações de predominância entre estas regiões ao longo do tempo.
O
Noroeste português foi o que mais forneceu imigrantes para o Brasil, em
especial o Minho (que corresponde aos actuais distritos de
Braga eViana do Castelo). O Sul de Portugal era
dominado por latifúndios e grandes propriedades rurais. No Norte, por sua vez, predominavam pequenas
propriedades agrícolas. Portanto, quem não adquiria um pedaço de terra estava
fadado à pobreza. Sendo a região do Minho a mais densamente povoada de Portugal66 ,
formou com o Brasil Colônia - e sucessivamente com o
Brasil Imperial e com a República - uma ampla rede de migrações. Sucessivas
gerações de portugueses nascidos no Minho emigraram para o Brasil. Isso servia
para se ter um equilíbrio entre a escassez de recursos, o crescimento constante
da população e a falta de terras. Assim, famílias minhotas incentivavam a
emigração períodica de seus filhos para o Brasil como forma de não
sobrecarregar a economia baseada na pequena propriedade rural. Esses portugueses
encaminhados para o Brasil tinham um perfil típico: do sexo masculino, bastante
jovens, muitos deles quase crianças,
enviados para o Brasil pelas mãos de algum parente ou padrinho.
Além de ajudar a economia local, a emigração desses jovens para o Brasil também
lhes era benéfica para os fazer escapar de "uma existência limitada por
padrões de vida numa sociedade empobrecida, mesquinha e conservadora", nas
palavras da historiadora Ana Silvia Scott.
Os
dados sobre os imigrantes mostram que os trabalhadores agrícolas sem terra
formavam o grupo mais numeroso de imigrantes que partiam para o Brasil,
correspondendo a 50,3% e a 33,6% dos que chegaram nos anos de 1906 e 1913, respectivamente.
Também foi significativa a emigração de proprietários rurais (10,6% em 1906),
chegando a 31,7% em 1913. Também foi expressiva a migração de artesões
portugueses, correspondendo a 15,8% em 1906 e a 13,8% em 1913. Curioso é que
foram poucos os imigrantes que eram comerciantes antes de emigrar, somando
apenas 1,7% em 1906 e 1,6% em 1913, embora depois que chegaram ao Brasil,
muitos dos portugueses se tornaram comerciantes.
Sexualidade e
padrões de miscigenação
Moça mulatafotografada
por Alberto Henschel. A miscigenação entre
portugueses e africanas foi frequente desde o início da escravidão.
A
imigração portuguesa para o Brasil é historicamente um fenômeno eminentemente
masculino. Desde o início da colonização, são pouquíssimas as portuguesas que
desembarcavam no Brasil. Em Portugal não havia escolas para meninas, apenas
recolhimentos que visavam o ensino de afazeres domésticos. Na mentalidade
portuguesa da Idade Moderna, a instrução feminina era
considerada algo supérfluo e mesmo perigoso. Para eles, as mulheres só serviam
como reprodutoras, como objeto de posse e de poder. Ao chegarem ao Brasil,
os colonos portugueses se depararam com uma população indígena livre dos
conceitos impostos pela Igreja Católica.
Para as mulheres indígenas, o sexo era
algo natural, longe de possuir a conotação de sujeira e pecado que
existia na mentalidade europeia. Na descrição do jesuíta José de Anchieta, as indígenas "não se
negavam a ninguém". Em um ambiente onde a Igreja ainda não tinha
força, os colonos portugueses passaram a exercer uma "sexualidade
desenfreada", unindo-se a várias mulheres indígenas ao mesmo tempo e
gerando filhos mestiços. A situação fora dos padrões europeus horrorizava os jesuítas.
Em carta ao rei de Portugal, Manuel da Nóbrega pedia ao monarca
português que enviasse ao Brasil mulheres portuguesas, “muitas e quaisquer
delas” e acrescentava: "Vossa Alteza mande muitas órfãs e se não houver
muitas venham de mistura delas e quaisquer, porque são tão desejadas as
mulheres brancas cá, que quaisquer farão cá muito bem a terra".
Para
o jesuíta Manuel da Nóbrega, até as prostitutas portuguesas
eram bem-vindas no Brasil: "Se El-Rei determina povoar mais esta terra, é
necessário que venham muitas mulheres órfãs e de toda qualidade até meretrizes,
porque há aqui várias qualidades de homens; e os bons e os ricos casarão com as
órfãs; e deste modo se evitarão pecados e aumentará a população no serviço de
Deus" escreveu o religioso para o rei de Portugal. Aliás, a
transferência de prostitutas portuguesas para o Brasil é historicamente
documentada. Noséculo XVIII, em São Paulo, "contanto que
não sejam velhas e doentes e incapazes de poder se casar" se falava em
atrair meretrizes do Reino para a região. Já no século XIX, autoridades
lusas denunciavam o fluxo de mulheres portuguesas no Brasil, que muitas vezes
vinham enganadas com promessa de trabalho e acabavam na prostituição.
Para
Nóbrega, a falta de mulheres brancas na colônia é que acarretava no
comportamento sexual desregrado dos colonos. A Igreja tentava
"moralizar" os costumes dos colonos e o rei pretendia aumentar a
população "branca dominante". Além de enviar degredados à
colônia para explorarem produtos que poderiam dar lucro para Portugal, o rei
também enviou as tais mulheres portuguesas, que eram órfãs, ladras,
prostitutas, assassinas, alcoólatras, entre outras. As que não fariam falta em
Portugal. Neste contexto, pouco importava a procedência da mulher
portuguesa. Não importava a condição social, moral ou econômica dela, pois
bastava que fosse "branca" e produzisse filhos
"portugueses" na colônia para ser considerada "superior" às
mulheres índias e negras, no imaginário colonial.
O concubinato vai
ser a regra durante todo o período colonial, e o matrimônio a
exceção. A historiadora Júnia Furtado diz que os casamentos em igrejas só vão
predominar no Brasil a partir do século XIX.
Antes disso, as uniões consensuais eram a forma mais praticada de uniões de
casais. Fato notável da sexualidade dos homens portugueses no Brasil
colonial é que estes davam preferência em se casar com mulheres portuguesas.
Como estas eram poucas, partiam para brasileiras de ascendência portuguesa.
Isto não quer dizer que os portugueses não se casavam com mulheres pardas ou
negras. Há vários registros de colonos portugueses que oficializavam suas
uniões com mulheres de origem africana, enfrentando o preconceito da sociedade
para assumir essa relação. Mas por razões culturais, demográficas e econômicas,
as uniões interétnicas eram majoritariamente apenas consensuais, quando não
eram apenas relações sexuais passageiras. A própria escravidão colocava
a mulher escrava de origem africana numa condição de submissão em relação ao
senhor, que muitas vezes a usava como objeto sexual.
Os
dados sobre casamentos e uniões consensuais no Brasil colonial mostram que os
homens brancos tendiam a casar com mulheres de ascendência portuguesa, enquanto
que aqueles que apenas se uniam consensualmente (a maioria dos casos) tendiam a
fazê-lo com mulheres de ascendência africana. Em um levantamento das uniões
consensuais havidas na Comarca do Rio das Velhas, em Minas Gerais, entre 1727 e
1756, os números mostram que entre os concubinos, 92% eram homens brancos. Porém,
das concubinas, 52,1% eram africanas, 35,1% crioulas (negras brasileiras) ou
mestiças, e apenas 11,8% eram brancas. Havia, portanto, um nítido predomínio de
concubinato envolvendo um homem branco (92%) e uma mulher negra ou mulata
(87,2%). Todavia, os dados sobre casamentos mostram um outro quadro.
Analisando os matrimônios envolvendo homens portugueses em Borda do Campo
(Minas Gerais) entre 1750 e 1760, encontrou-se que apenas 13,4% das cônjuges
eram portuguesas. Todavia, as cônjuges brasileiras de sabida ascendência
portuguesa somavam 40% das noivas, dando um total de 50,3% as noivas de origem
portuguesa declarada. Estes dados mostram a tendência do colono português de se
unir consensualmente a uma mulher de origem africana, e a se casar com mulher
de origem portuguesa.76 Apesar
da preferência em contrair matrimônio com mulheres portuguesas, a exiguidade de
compatriotas compeliam os portugueses a se casarem com mulheres brasileiras,
livres e brancas, ou com pardas e negras alforriadas,
tanto que no início do século XIX, em São Paulo, 97% dos homens portugueses
estavam casados com mulheres brasileiras. Defrontados com a escassez de
mulheres portuguesas na colônia, é presumível que muitos portugueses optassem
pelo celibato,
pois em São Paulo, no mesmo período, 30% dos portugueses se encontravam nessa
situação.
No
Brasil colonial, os casamentos constituídos eram exclusivos de uma minoria.
Nestes casos, havia a figura da sinhá (esposa legítima) que era
frequentemente obrigada a conviver com os filhos ilegítimos do seu marido tidos
com escravas. Para a maioria da população, a sociedade brasileira era
predominantementematriarcal, especialmente nas classes subalternas, sendo a
mulher solteira, negras, mulatas e brancas empobrecidas, as chefes de família.
Casal de imigrantes
portugueses em São José do Rio Preto (1887).
Após
a independência do Brasil no século XIX, a sociedade brasileira já havia mudado
parte de suas características. O concubinato, que antes predominava, passa a
dar lugar aos casamentos na igreja. Na definição da historiadora Mary del Priore,
"no século XIX, a sexualidade se dividiu. De um lado, o sexo legítimo da
união legal. De outro, o sexo ilegítimo e clandestino das relações adúlteras e
da prostituição que se desenvolvem com o crescimento das cidades". Isto
não quer dizer que as uniões informais foram abolidas no Brasil, pois
continuavam a existir de forma significativa. Entre 1906 e 1910, 12,5% dos
filhos de mulheres brasileiras em São Paulo eram ilegítimos (comparado a 3,5%
dos filhos de imigrantes portuguesas). A imigração portuguesa não perdeu
seu caráter masculino nos séculos XIX e XX. O Norte de Portugal na época era
conhecido por ter o predomínio de mulheres exercendo atividades agrícolas
tradicionais, pois muitos dos homens emigraram. As mulheres (e as crianças)
portuguesas desembarcaram em maior número no Brasil quando alguma crise
aflingia Portugal, como durante a epidemia de filoxera que destruiu
temporariamente a indústria dovinho do Porto em
meados do século XIX. A regra, porém, era de 80% de homens entre os imigrantes
e uma porcentagem mais elevada de adultos.
Em
suas práticas matrimoniais, os imigrantes portugueses no Brasil nos séculos XIX
e XX mostraram-se particularmente inclinados para a endogamia,
quando comparados a outros imigrantes europeus. Dos 22.030 homens e mulheres
portugueses que casaram na cidade do Rio de Janeiro no período de dez anos de
1907 a 1916, 51% dos homens casaram com mulheres portuguesas — uma percentagem
mais elevada do que a dos italianos ou dos espanhóis (50% e 47% dos quais,
respectivamente, casaram com mulheres originárias do seu país). 84% das
portuguesas casaram com homens portugueses, em comparação com 64% das mulheres
italianas e 52% das mulheres espanholas que casaram com homens da sua
nacionalidade. Essa alta endogomia acontecia mesmo sendo o número de mulheres
portuguesas bem mais baixo do que o número de homens. Tal endogamia pode ser
explicada pela chegada constante de novos imigrantes, ou pela pobreza inicial
desses portugueses, gerando desprezo da população brasileira, o que afastava as
possibilidades de casamento entre os dois grupos. No decorrer do século XX,
essa endogamia caiu e o casamento envolvendo um cônjuge português e o outro
brasileiro cresceu gradualmente, passando então a predominar.
As mulheres portuguesas no Brasil
A cantora e atriz Carmen Miranda,
apelidada de "Brazilian Bombshell" nasceu em Portugal e imigrou para
o Brasil com sua família em 1910,
com dez meses de idade. Apesar de nunca ter se naturalizado, sempre se
considerou brasileira.
Nos
primeiros séculos de colonização houve uma verdadeira escassez de mulheres
brancas na colônia. Isso se deve ao caráter migratório aventureiro dos colonos
portugueses, que buscavam enriquecimento rápido, pensando num breve retorno a
Portugal. Isso desestimulava um padrão migratório familiar. Para diminuir a
falta de mulheres brancas foram levantadas duas soluções: o envio de mulheres
condenadas a cumprir pena de degredo no Brasil e de órfãs desprovidas de dote
para a colônia. Uma terceira opção seria o envio de “mulheres erradas” para o
Brasil, ou seja, de prostitutas portuguesas. Quanto à presença de
prostitutas portuguesas no Brasil, não há dados numéricos disponíveis. Quanto
às órfãs, na legislação portuguesa, era uma pessoa que havia perdido o pai,
pois a perda da mãe não acarretava nessa situação. O número de órfãs
disponíveis não era suficiente e isso se refletia no pedido do jesuíta Manuel
da Nóbrega para que o rei enviasse qualquer tipo de mulher, mesmo as “erradas”.
Para o jesuíta, essas mulheres mudariam de vida por meio do casamento. A falta
de mulheres brancas empurrava os colonos para relações com mulheres indígenas e
africanas, ameaçando a “limpeza de sangue” tão almejada naquela sociedade.
Um
estudo mostrou que as órfãs do recolhimento do Castelo, em Lisboa, eram
mandadas para possessões ultramarinas onde havia escassez de mulheres
portuguesas (Índia e Brasil). Elas chegavam acompanhando o governador-geral, ou
seja, de três em três anos. Para o Brasil não viajavam mais que duas ou três de
cada vez, o que era claramente insuficiente. Num registro de 21 mulheres que
chegaram à Bahia, todas já estavam casadas, e as idades variavam de 18 a 80
anos. Não chegavam apenas portuguesas: uma era espanhola de Toledo, uma cigana
da Galiza (Espanha)
e outra mulher de Arzila, no Marrocos.
Sete delas eram de Lisboa e cinco do Alentejo. Não se sabe ao certo se essas
mulheres já chegavam casadas ao Brasil ou se contraíram matrimônio na colônia.
O que se sabe é que essas mulheres brancas eram disputadas fervorosamente pelos
homens, devido à sua escassez na colônia.
A
contribuição das órfãs para o aumento da população brasileira foi, sem dúvida,
menor do que a contribuição das mulheres que chegavam acompanhadas dos seus
homens ao Brasil, sejam esposas ou concubinas. As que chegavam sozinhas eram
normalmente as degredadas, forçosamente exiladas na colônia. As degredadas
chegavam para cumprir penas aplicadas pela justiça secular por crimes que
haviam cometido, enquanto outras eram vítimas da Inquisição, que também
condenava os “culpados” com o degredo. O século XVII foi marcado pela chegada
constante de “visionárias”, acusadas de feitiçaria, que eram sentenciadas ao
exílio na colônia. Nem todas permaneceram no Brasil, parte regressando a
Portugal após os cinco anos de pena de degredo.
A
mulher no Brasil colonial vivia uma condição subalterna, herança de tradições
já cristalizadas. Tanto a legislação portuguesa quanto as práticas sociais
acentuaram o caráter subalterno da mulher. As mulheres brancas viviam reclusas
dentro de casa, raramente saíam à rua e, quando o faziam, deviam cobrir o rosto
com véus e os pés com a barra da saia. De acordo com o padrão dominante, a
mulher virtuosa apenas poderia sair de casa em situações específicas: para ser
batizada, frequentar missas, casar e ser enterrada. Isso contribuía para os
relatos sobre a mulher portuguesa no Brasil colonial: precocemente envelhecida,
gorda, cercada de mucamas, tratada com sadismo e descontando sua fúria sobre as
escravas.
No
século XVIII, em Salvador, Mariana e Vila Rica as mulheres frequentavam a missa
no final da madrugada para não serem vistas pelos homens. Muitas eram mandadas
para conventos e recolhimentos femininos, o que causava desconforto nas
autoridades, uma vez que a escassez de mulheres brancas na colônia era ainda
mais agravada pelo fato de muitas tomarem o caminho religioso. O governador de
Minas Gerais, Lourenço de Almeida, reclamou em 1731: “Suponho que toda mulher
no Brasil será freira”. De fato, um dos raros momentos em que as mulheres
podiam comandar suas casas se dava na viuzez: em muitos casos, enviuvando a
mulher com filhos menores, cabia a ela a direção da propriedade rural e o
futuro da família.
Por
outro lado, as mulheres pobres, livres ou escravas, estavam muito mais expostas
na sociedade. Essas compunham a maioria da população colonial, embora os
estudos históricos tenham sempre focado na vida das mulheres da elite. As mulheres
comuns eram domésticas, roceiras, costureiras, cozinheiras, feiticeiras,
lavadeiras, prostitutas etc. O Brasil colonial, mergulhado em valores
hierárquicos e patriarcais, delegava à mulher uma condição inferior dentro da
sociedade. À mulher rica era destinada a reclusão dentro de casa e, à mulher
pobre ou escrava, o trabalho pesado e os abusos sexuais.
Após
a independência, a mulher portuguesa que desembarcava no Brasil, geralmente
pobre, se empregava como criada nos serviços domésticos. O censo de 1872
mostrou que 129.816 escravas estavam ocupadas no serviço doméstico, portanto
para as portuguesas apenas sobravam as casas onde se dava preferência à
contratação de criadas brancas. Frequentemente os textos da época faziam
referência implícita à prostituição de portuguesas no Brasil.
O
início do século XX foi um momento que representou uma reviravolta nas
características da imigração portuguesa ao Brasil, uma vez que as mulheres
passaram a representar uma parcela considerável dos imigrantes. Dos portugueses
que desembarcaram no porto de Santos entre 1908 e 1936, as mulheres
representavam 32% do total, indicando uma grande migração familiar nesse
período. A legislação portuguesa dificultava a migração de pessoas do sexo
feminino, uma vez que exigia a emissão de passaporte e as mulheres dependiam da
autorização dos pais ou do marido para imigrar. Até a década de 1890, o
contingente feminino entre os imigrantes sempre foi muito pequeno, vindo a
crescer rapidamente a partir dessa década. Antes disso, eram quase sempre os
homens que emigravam, deixando muitas vezes suas esposas em Portugal, que
passavam a ser incumbidas de cuidar dos filhos e de todo o trabalho produtivo.
Os seus maridos frequentemente constituíam uma nova família no Brasil, fazendo
delas “viúvas de vivos”.
A
partir da década de 1890, verifica-se uma mudança no comportamento migratório
português. As mulheres, que antes ficavam para trás, passaram a acompanhar seus
homens na viagem migratória. Assim, a migração familiar e feminina portuguesa
cresceu 41% entre 1891 e 1899 e 36% entre 1910 e 1919. Essas mulheres dividiam
com seus maridos pequenos negócios, como padarias, bares e quitandas,
trabalhavam como operárias, lavadeiras, costureiras, em áreas completamente
diferentes das quais exerciam em suas aldeias de origem, muitas vezes tendo que
trabalhar em jornada dupla para poder sobreviver e vencer os desafios no novo
país de acolhimento.
Identidade luso-brasileira
No período colonial
As
relações dos brasileiros brancos com Portugal se mantiveram bastante fortes
durante o período colonial. Os brasileiros mantinham vínculos mais estreitos
com a metrópole e tinham menos motivos de insatisfação que os criollos da
América Espanhola em relação à Espanha. A colonização portuguesa no Brasil foi
lenta e gradual, portanto, no fim do período colonial, a oligarquia brasileira,
em sua maioria, tinha origem portuguesa recente. Embora algumas famílias da
elite, sobretudo em Pernambuco e na Bahia, remontavam as suas origens aos
donatários do século XVI, grande parte dos proeminentes proprietários de terra
do Brasil do início do século XIX eram brasileiros de primeira geração ou
portugueses natos. O governo colonial português não se mostrava tão opressivo e
excludente como foi o governo espanhol, uma vez que Portugal era uma potência
mais fraca em recursos financeiros, militares e humanos.
Isso
abria as portas para que brasileiros natos tivessem a oportunidade de ocupar
postos no nível baixo e médio da burocracia e alguns até chegaram a ser
magistrados da coroa e governadores, não só no Brasil como em outras partes do
Império Português. Portugal, muito mais do que a Espanha, governava suas
colônias por intermédio das elites locais e os vínculos familiares e pessoais
entre os membros da elite portuguesa e brasileira eram reforçados com a ida de
brasileiros para estudar na Universidade de Coimbra.
Portanto,
a classe dominante do Brasil durante o período colonial manteve laços estreitos
com Portugal, haja vista que grande parte era composta por portugueses natos ou
filhos de portugueses, muitos dos quais estudavam em universidades portuguesas
e mantinham relações econômicas diretas com a Metrópole. O antropólogo Darcy Ribeiro ensina
que o colono português, por mais que se identificasse com a nova terra, gostava
de se manter atado à sua origem portuguesa, pois esta era a sua única
"superioridade" inegável. O processo de miscigenação, porém, fazia
nascer uma identidade brasileira, pois mestiços, mulatos emamelucos já
não se identificavam com suas matrizes indígenas, africanas ou europeias,
forçando-os a assumir uma identidade brasileira.
O caso dos
açorianos no Sul
O
historiador Sérgio Luiz Ferreira estudou o processo de
"abrasileiramento" dos descendentes de açorianos da freguesia de
Santo Antônio de Lisboa, localizada em Florianópolis, Santa Catarina,
no Sul do Brasil. A região foi povoada por colonos oriundos dos Açores,
Portugal, entre os anos de 1747 e 1753. No período de 1780-1799, 75% da
população da freguesia tinha os avós nascidos nos Açores. Para o período de
1800-1824, 33% dos habitantes ainda eram netos de açorianos. Portanto, na
segunda metade do século XVIII e no início do século XIX, a população da
freguesia poderia ser considerada açoriana.98
Porém,
no decorrer do século XIX, a população da freguesia foi se afastando dessa
matriz portuguesa e se "abrasileirando", ao ponto de, no final do
século XIX, seus habitantes já nem lembrarem que eram descendentes de
açorianos. No início do século XX, a população da Ilha de Santa Catarina se
considerava "sem origem", enquanto os descendentes de imigrantes italianos e alemães do interior do estado eram
vistos como aqueles "com origem". A origem portuguesa dessas pessoas,
portanto, permaneceu apenas nos documentos históricos, sendo que não permaneceu
na memória da população. Aliás, o autor ressalta que não saber a origem dos
antepassados é uma característica marcante da população brasileira.
Foi
só na década de 1940, com o Primeiro Congresso de História Catarinense, que a
origem açoriana dessa população foi resgatada. Os habitantes da Ilha de Santa Catarina foram
"ensinados" pela elite intelectual que eram descendentes de
portugueses oriundos dos Açores. Em decorrência, na segunda metade do século
XX, com esse processo de resgate da açorianidade, muitas tradições que tinham
origem açoriana foram nomeadas, enquanto outras que nunca foram açorianas
passaram a ser consideradas como se fossem, numa verdadeira "invenção de
tradições".
A
questão da identidade açoriana, porém, só preocupava a elite, como por exemplo
frente ao "perigo alemão" representado pelos descendentes de alemães
do interior catarinense. O homem do litoral pouco importava com a sua
"identidade", uma vez que vivia isolado na costa onde não havia o
embate com o "outro". O incômodo realmente apenas surgiu na década de
1980, quando forasteiros passaram a comprar propriedades no litoral catarinense
e passaram a reprimir determinadas práticas culturais dos habitantes da região,
como a farra do boi. A partir de então, foi necessário
buscar uma identidade que já não estava na memória.
A
identidade açoriana é ainda débil nos próprios Açores, onde, segundo pesquisa,
a maioria da população se identifica primariamente com sua freguesia ou
município ou ilha de nascimento e não com a região dos Açores como um todo. No
caso dos habitantes do litoral catarinense, nos últimos anos tem havido um
processo de "açorinização" da Ilha de Santa Catarina, por meio do
resgate de tradições e elementos culturais e do aumento do intercâmbio com o
arquipélago português.
Imigrantes mais
recentes
Os
portugueses que chegaram ao Brasil mais "recentemente", no século XX,
buscavam se aglutinar por meio do movimento associativo. Essas associações
serviam e ainda servem de referência cultural, apoio econômico e/ou assistência
social. Distante do país natal e muitas vezes abandonados pelo governo
português, os imigrantes sentiam-se desamparados e vulneráveis às situações
imprevisíveis que um novo país poderiam oferecer. Portanto, um local para
encontro com compatriotas se mostrava fundamental para mobilizar interesses
compartilhados em relação à cultura, trabalho, saúde, lazer e negócios.
A Beneficência Portuguesa de Porto
Alegre é um hospital brasileiro fundado porportugueses e luso-brasileiros,
localizado na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do
Sul. Tendo sido fundado na segunda metade do século XIX,
principalmente como forma de homenagear e prantear Dona Maria II, Rainha de Portugal, que havia falecido. Para
além disso, Dona Maria II era irmã do então imperador do Brasil, Dom Pedro II. Neste clima emocional a imprensa
começou a instigar a comunidade portuguesa da cidade para que se criasse, a
exemplo de outros locais, uma entidade assistencialista própria, o que alguns
anos depois se realizaria.
Os
imigrantes que chegavam se mantinham em contato com Portugal mas, com o tempo,
foram se integrando ao Brasil. O contato com a terra natal acabou por se perder
a medida que se tornavam mais tênues os laços e a mobilidade interna aumentava.
Assim, a partir da década de 1950, a perda da identidade portuguesa foi
aumentando e a integração no novo país foi se fortalecendo.
Quantos
brasileiros possuem ascendência portuguesa?
Não
existem números concretos sobre o número de brasileiros com ascendência
portuguesa. Dada a antiguidade da imigração portuguesa para o Brasil -
remontante ao século XVI -, seria impossível obter um número exato.
Muitos brasileiros de origem portuguesa desconhecem suas origens pelo fato de
estarem enraizados no Brasil há gerações e se consideram apenas como sendo
brasileiros. Órgãos oficiais estimam, no entanto, que a população
luso-descendente direta no Brasil orbita em torno de 5 milhões de pessoas
(portugueses que vieram para o Brasil recentemente).101
Em
1872, havia no Brasil 3,7 milhões de pessoas brancas. Por fatores históricos,
quase a totalidade dessa população era de origem portuguesa, tendo em vista que
a imigração maciça de outros cidadãos europeus para
o Brasil (italianos,
principalmente) só começou após o ano de 1875. A população parda (ou seja,
mestiça de português comafricano e índio)
era de 4,1 milhões de pessoas e os negros totalizavam
1,9 milhões. Desta forma, viviam no Brasil, na década de 1870, 80% de pessoas
com alguma ascendência portuguesa, entre portugueses, luso-brasileiros e
mestiços.
No
século XIX e por grande parte do século XX, uma nova onda de imigrantes
portugueses chegou ao Brasil. Entre 1881 e 1991, mais de 1,5 milhão de pessoas
imigraram de Portugal para o Brasil. Em 1906, por exemplo, viviam
133.393 portugueses na cidade do Rio de Janeiro,
compondo 16% da população. O Rio é, ainda hoje, considerada a "maior
cidade portuguesa" fora de Portugal.
Estudos
genéticos também confirmam a forte influência racial portuguesa nos
brasileiros. De acordo com uma pesquisa, pelo menos metade de todos oscromossomos Y da
população brasileira é oriunda de portugueses. Os negros
brasileiros possuem, em média, 48% de genes não-africanos,
provavelmente oriundos de antepassados vindos de Portugal.
Em
pesquisa de 1998 realizada pelo sociólogo Simon Schwartzman, apenas 10,46% dos
brasileiros entrevistados disseram que a sua ancestralidade era portuguesa. Como
constatou o historiador Sérgio Luiz Ferreira em seu trabalho sobre os açorianos
do litoral de Santa Catarina, com o passar das gerações os descendentes de
portugueses no Brasil apagam da memória as suas origens, sendo uma das
características do povo brasileiro não saber de onde vieram seus antepassados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário